terça-feira, 19 de março de 2013

Alcoolismo atinge cerca de 5,8 milhões de pessoas no país


São Paulo - Histórico de consumo abusivo de álcool, síndrome de abstinência e manutenção do uso, mesmo com problemas físicos e sociais relacionados, é o tripé que caracteriza a dependência em álcool, segundo a psiquiatra Ana Cecília Marques, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O tratamento da doença, que atinge cerca de 5,8 milhões de pessoas no país, segundo o Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, de 2005, não é fácil: dura pelo menos um ano e meio em sua fase mais intensiva e tem índice de recaída de cerca de 50% nos primeiros 12 meses.
"Ele precisa preencher os três critérios. Um só não basta para se considerar dependente", destaca a psiquiatra. Ela explica que o consumo contínuo e abusivo leva a uma tolerância cada vez maior do usuário à bebida. "O corpo acostuma-se com o [álcool]. Ele resiste mais e, para obter o efeito que tinha no começo com uma lata de cerveja, precisará tomar cinco". A falta do álcool provoca uma série de sintomas graves, como elevação da pressão arterial, tremores, enjoo, vômito e, em alguns pacientes, até mesmo convulsão. Esse é o quadro da síndrome de abstinência.
O terceiro critério para caracterização da dependência alcoólica está ligado aos problemas de relacionamento e de saúde provocados pelo consumo abusivo. "O indivíduo tem problemas no trabalho por causa da bebida. Ele perde o dia de trabalho mas, mesmo assim, bebe de novo". A professora destaca que, além da questão profissional, devem ser considerados diversos aspectos da vida do paciente, como problemas familiares, afetivos, econômicos, entre outros.
Em relação às outras drogas, a psiquiatra informou que o tratamento da dependência de álcool se diferencia principalmente na primeira fase, que dura em média dois meses. "Cada substância tem uma forma de atuar no cérebro, portanto, vai exigir, principalmente na primeira fase do tratamento, diferentes procedimentos farmacológicos para que a gente consiga promover a estabilização do paciente", explica.
De acordo com a médica, o álcool se enquadra na categoria de substâncias psicotrópicas depressoras, juntamente com os inalantes, o clorofórmio, o éter e os calmantes. Há também as drogas estimulantes, como a cocaína, a cafeína e a nicotina, e as perturbadoras do sistema nervoso central, como a maconha e o LSD.
"Na segunda e terceira fases, o tratamento entra em uma etapa mais semelhante, que é quando você vai se aprofundar no diagnóstico e preparar o individuo para não ter recaída", acrescenta.
A segunda fase do tratamento, a chamada estabilização, quando se trabalha a prevenção da recaída, dura, em média, de oito a dez meses. Nessa etapa, são percebidas e tratadas as doenças correlatas adquiridas pelo consumo do álcool e, então, o paciente é preparado para readquirir o controle sobre droga. "A dependência é a doença da perda do controle sobre o consumo de determinada substância. [É feito um trabalho] para que ele volte a se controlar, a entender esse processo e readquirir a autonomia. Não é mais a droga que manda nele".
A psiquiatra destaca que, nesse processo, a recaída é entendida como algo normal e que não invalida o tratamento. "Ele pode ter uma recaída e não é que o tratamento não esteja no caminho certo ou que ele não queira se tratar. Faz parte da doença, é um episódio de agudização dessa doença crônica que é a dependência do álcool. Faz parte recair", esclarece.
Na terceira etapa, que dura cerca de seis meses, ocorre o "desmame da tutela do tratamento". "Ele está manejando essa nova autonomia. Ele volta para as avaliações com menos frequência". Por fim, o paciente passa a ir ao médico com maiores intervalos entre as consultas. "Ele segue em tratamento como qualquer indivíduo que tem doença crônica. Pelo menos uma vez por ano, ele passa pelo médico. A bem da verdade, [no tratamento dessas] doenças crônicas, a gente não dá alta".
Levantamento feito em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Unifesp, e pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), mostra que o uso do álcool prevalece entre os homens em todas as faixas etárias. Mais de 80% deles declararam fazer uso de álcool. Entre as mulheres, o percentual cai para 68,3%.
No que diz respeito à dependência, eles também estão na frente. O índice de dependentes do sexo masculino (19,5%) é quase três vezes o do sexo feminino (6,9%). A faixa etária de 18 a 24 anos, por sua vez, apresenta os maiores índices, com 27,4% de dependentes entre os homens e 12,1% entre as mulheres.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Brasil: Classe média luta contra o crack


PIEDADE, Brasil – Corinthiano roxo, Emerson Medeiros, 42 anos, planejava ir ao Japão para acompanhar seu time no Mundial de Clubes da FIFA, em dezembro.

Mas acabou vendo o jogo pela TV de uma clínica de reabilitação em Piedade, interior do estado de São Paulo. Medeiros luta contra o vício do crack.
Enquanto o uso de cocaína e seus derivados diminui gradativamente nos países mais desenvolvidos, aumenta em países emergentes como o Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Cerca de 6 milhões de brasileiros experimentaram cocaína e derivados pelo menos uma vez na vida, segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Deste total, 2 milhões fumaram crack, oxi ou merla. Esses números fazem do Brasil o maior consumidor mundial de crack e o segundo maior de cocaína e derivados.

“A pesquisa da Unifesp representa a população brasileira como um todo, porque o levantamento foi realizada em todas as regiões”, diz a pesquisadora Clarice Madruga, coordenadora do estudo da Unifesp.

A pesquisa foi feita em domicílios de 149 municípios com 4.607 indivíduos de 14 anos ou mais, mas sem estratificação por classe social. Dependentes que vivem nas ruas não foram incluídos no estudo.

Em números absolutos, o Sudeste concentra 46% dos usuários de cocaína e derivados do país, ou seja, 1,4 milhões de indivíduos da região consumiram a droga no último ano.
O crack não mais é vendido apenas nas cracolândias brasileiras. Em condomínios fechados de bairros de classe média e média alta, como a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, o entorpecente é entregue por motoboys, como se fosse pizzas e produtos farmacêuticos.

A pesquisa da Unifesp revelou que 78% dos entrevistados consideram fácil conseguir cocaína e derivados, inclusive o crack.
“O fácil acesso faz com que mais indivíduos consumam a droga”, diz a psiquiatra e neurocientista Ana Cecília Marques, coordenadora do Departamento de Dependência em Álcool e Drogas da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “A dependência é uma doença multicausal, que vai desde a condição socioeconômica até um transtorno psíquico.”

Para combater o problema, o governo federal lançou em 2011 o programa “Crack, é Possível Vencer”, que terá investimentos de R$ 4 bilhões até 2014.
O programa prevê internação compulsória em casos extremos, em que o paciente corre risco de vida. Em 21 de janeiro, o governo de São Paulo iniciou a internação compulsória no estado.
Com autorização da família, os viciados em crack são encaminhados para centros terapêuticos para receber o tratamento. Em casos considerados mais graves, a internação pode ocorrer sem permissão dos familiares, desde que seja determinada por um juiz.

Crack na classe média

Novidade na rede pública, a internação compulsória é prática comum nas clínicas privadas.
Este foi o caso de Tiago Ferraz, 29.
Em abril de 2012, ele se internou voluntariamente na Clínica Viva de Piedade, após trocar o laptop e o celular do pai por 20 pedras de crack.
Quatro meses depois, recebeu alta. Mas, no terceiro dia longe da clínica, roubou um relógio, pares de tênis, camisas de clubes de futebol e até vinhos para comprar crack.
Acabou sendo levado de volta à clínica, dessa vez à força, numa ambulância chamada pelo pai.

Ferraz experimentou o crack pela primeira vez em 2004, quando morava em São José dos Campos (SP), a 93 km da cidade de São Paulo.
Dois anos depois, ele se mudou para Sorocaba (SP) e ingressou no curso de geografia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Logo começou a usar o “mesclado” – mistura da maconha com o crack.

“Comecei a frequentar uma linha de trem, onde fica a cracolândia de Sorocaba”, lembra Ferraz, que é filho de um jornalista e de uma funcionária pública.
Para comprar a droga, Ferraz sacava dinheiro com o cartão de crédito, o que gerou uma dívida de R$ 5.000 com o banco.

“Como costumam dizer, uma pedra é muito e 100 é pouco para quem é dependente”, diz Ferraz, que recebeu alta de sua segunda internação em 20 de dezembro. “Dessa vez, não vou voltar ao crack, nem ao álcool ou maconha. Recuperei expectativas, laços familiares e tracei objetivos. Quero voltar a estudar.”

Clínica Viva: 80% são viciados em crack

Em sete anos de atividade, 2.000 pessoas passaram pela clínica de Piedade, que fica a 100 km de São Paulo. Dos 95 leitos disponíveis, 75 estão ocupados.
Quando foi inaugurada, a clínica abrigava pacientes que sofriam de alcoolismo, em sua maioria. Hoje, cerca de 80% tratam o vício do crack.

Entre adolescentes e idosos, todos os internos da clínica são de classe média. O crack não é mais exclusividade da população marginalizada.
“Os familiares chegam aqui desesperados. Tem uma hora em que o paciente comete furtos até dentro de casa”, diz Verângelo Soares, administrador da clínica.
Muitas destas famílias que tomam a iniciativa de internar têm dificuldade em aceitar a dependência.

A família pode até atrapalhar o tratamento ao omitir informações, diz o psicólogo Claudio Roberto Alexandre, líder da equipe técnica da Clínica Viva em Piedade. Para evitar esse tipo de problema, Alexandre explica que o processo inicial é convencer o dependente de que ele necessita de cuidados para depois conscientizar os próprios parentes.

Apesar da Clínica Viva não divulgar valores, um ex-paciente informou sob a condição de anonimato que seus parentes pagaram cerca de R$ 5.000 por mês pela internação.
“Há uma tendência a negar ou minimizar o uso do crack, até por conta do estereótipo que existe em torno dos dependentes”, diz Alexandre. “Eles se perguntam: ‘Meu filho tem tudo em casa, por que se viciaria?’”

Emerson Medeiros, o torcedor do Corinthians, diz que seus pais já fizeram essa mesma pergunta diversas vezes.
Ele vem de uma família de classe média e começou a usar crack, aos 19 anos, com amigos.
Aos 29, foi internado na Clínica Viva pela primeira vez.
Oito meses depois, recebeu alta e, com ajuda da família, comprou um caminhão para fazer fretes.

Mas Medeiros acabou sucumbindo à droga. Em 2010, ele vendeu o veículo para sustentar a dependência.
“Eu não estava vendo saída. Se não fizesse algo, ia morrer logo”, diz Medeiros, que voltou para a clínica em outubro. “Foi escolha minha.”

Disponível em: http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/main/2013/02/07/feature-01