sexta-feira, 17 de maio de 2013

SP pagará tratamento a usuários de crack: dependentes receberão R$ 1,3 mil para gastar com reabilitação


O governo de São Paulo lançará oficialmente hoje um programa pelo qual usuários de crack vão receber uma bolsa de R$ 1.350 por mês para custear despesas com unidades de reabilitação e acolhimento social, e evitar recaídas. O programa, que é visto com algumas ressalvas por especialistas, é anunciado ao mesmo tempo em que o atendimento a dependentes de drogas no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, do governo estadual, ainda esbarra em dificuldades, segundo juízes. Pelo programa Recomeço, cada dependente químico maior de 18 anos receberá um cartão que só poderá ser usado para pagar tratamento em comunidades terapêuticas, onde poderão morar e se tratar por até seis meses.

Inicialmente, o projeto vai beneficiar três mil dependentes químicos que já tenham passado por atendimento psiquiátrico anterior. Caberá às prefeituras indicar os nomes dos dependentes que receberão o cartão, pois são os municípios que gerenciam os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, onde os viciados recebem atendimento ambulatorial. O projeto chegará primeiro a 11 cidades do interior. — Não tem médico, tem assistente social e pessoas que ministram oficinas para ajudar a inserir a pessoa na sociedade e no mercado de trabalho. Médico, ele verá na rede de saúde pública e no Caps.

O cartão agilizará o avanço do atendimento para o interior — explica o secretário de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia. A iniciativa é inspirada num projeto similar feito pelo governo de Minas Gerais, onde a bolsa é de cerca de R$ 900. A professora de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ana Cecília Marques disse que, numa situação em que pouco se faz para resolver o problema do crack no país, a iniciativa é positiva. Mas ela acredita que o governo deveria exigir que houvesse um médico dentro das comunidades terapêuticas credenciadas. — Precisa de médico para fazer avaliação da síndrome de abstinência, que é um quadro grave e tem que ser tratado por um médico — afirma Cecília.


Vício em crack: o longo caminho da recuperação



Especialistas afirmam: só após 24 meses de tratamento dependente pode ser considerado reabilitado. E vontade do usuário para vencer é essencial.

O drama vivido por famílias que lutam para internar um parente viciado em crack é só o começo de uma longa e difícil trajetória para que esse dependente fique livre das drogas. O tratamento, segundo especialistas, dura em média um ano. Mas o paciente só é considerado reabilitado após, no mínimo, 24 meses de tratamento.A psiquiatra, neurocientista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Ana Cecília Marques explica que o período é definido com base na ciência. “É calculado a partir de critérios como o tempo que o indivíduo leva na desintoxicação, depois de quanto o cérebro demora para desabituar à droga e quanto tempo ele leva para recuperar a estrutura de pensamento que perdeu por causa da doença”, afirma.

A especialista considera o período de três semanas de internação o mínimo necessário para vencer a primeira etapa contra a dependência química: a desintoxicação. Nessa fase, que pode chegar a dois meses, é preciso muito cuidado com a síndrome de abstinência. Pode ocorrer desde uma crise de hipertensão até um acidente vascular cerebral (AVC).
Desintoxicação
“A síndrome de abstinência é uma fase delicada, que começa oito horas depois que a pessoa deixa de usar a droga. Em casos mais leves, é possível fazer a desintoxicação em ambulatório, passando a noite em casa, em repouso absoluto”, diz a psiquiatra.
A segunda etapa do tratamento é a chamada “prevenção de recaída”, que dura de seis a oito meses. O viciado aprende a ficar sem o crack, e o tratamento é voltado para sua estabilização. Ana Cecília diz que o cérebro entra na fase de desabituação da droga, um fenômeno biológico. Aos poucos, o indivíduo retorna para suas atividades, mas sempre bastante monitorado.
Em seguida, vem a fase de manutenção, que dura pelo menos seis meses. O usuário continua o tratamento, quinzenal ou mensal, dependendo do caso. Mas há consenso de que recaídas fazem parte do processo. Após um ano de tratamento, 50% dos pacientes voltam a consumir entorpecente. Pedro (nome fictício) sabe bem o que é isso. Aos 32 anos, é refém das drogas desde os 14. Hoje, está na oitava internação.
“Parei de estudar, perdi empregos bons. Já fiquei internado nove meses, mas um mês depois de sair já estava nas drogas. É preciso querer parar”, conta o rapaz, que gosta de passar o tempo na companhia do papagaio da clínica. Pedro está há quase seis meses no Centro de Vivência Alvorada, em Jacaraípe, na Serra.
Ordem da justiça
O local atende principalmente a pacientes encaminhados pela Justiça. Pelo menos 30% são internações compulsórias – normalmente feitas contra a vontade do dependente. É o caso de Maria (nome fictício), 28, em tratamento há uma semana. “Eu morava na rua. Vi muitos amigos morrerem e estava com medo. Na clínica, sou medicada e desabafo meus traumas com uma psicóloga”, diz a mulher, internada cinco vezes.
No Centro de Vivência Alvorada, o tratamento leva de 90 a 180 dias, e o atendimento é multidisciplinar, com terapias individuais, em grupo e familiar, além de atividades esportivas, como caminhadas na praia. Terapeuta e coordenadora do espaço, Eunice Pereira Rocha explica que o contato com a família ocorre após 15 dias, mas isso não pode ser um fator negativo. “Buscamos alguém que realmente queira ajudar, uma tia, um amigo... O parente não pode censurar, porque isso só atrapalha”, diz.
Pedro e Maria ainda estão distantes da última fase da reabilitação, batizada de Segmento. É quando o paciente já pode fazer o acompanhamento a cada seis meses ou uma vez por ano. “Mas é preciso cuidado por toda a vida. A dependência é uma doença crônica como qualquer outra”, frisa a psiquiatra da Unifesp.
Grande parte dos programas terapêuticos no Estado é ligada a religiões, como a Cristolândia, da Igreja Batista. Iniciado em outubro passado, o projeto atende a homens, principalmente moradores de rua, que tenham mais de 18 anos e queiram deixar as drogas. Além da unidade de triagem em Vitória, tem uma casa de apoio em Marataízes, Litoral Sul.
O tratamento não permite medicações, e a permanência na instituição pode ser de até dois anos, diz o assistente social Felipe Sales. “A maioria carrega traumas profundos, por isso leva tempo para recomeçar.”
Seja qual for o tratamento, todos os especialistas concordam que a reabilitação atinge melhores resultados se o paciente estiver disposto a interromper o vício. Antes de atravessar os muros da clínica, Pedro só pensa nisso. “Agora, será diferente, porque eu quero parar”, diz, antes de mais uma sessão de terapia.
Depoimentos
“Quase perdi a vida e o amor da minha mãe. Cheguei à clínica com 38 quilos, feia e acabada”
C., 13 anos
Aos 13, ela foi vencida pelas drogas
Meus primeiros dias na clínica foram de muito sofrimento. Cheguei agitada e ofendia todo mundo. Eu estava com 38 quilos, feia e acabada. Não queria ficar aqui. Como meu comportamento não melhorou depois de três meses, o juiz me manteve na clínica. Minha história com as drogas começou há um ano. Já usei maconha, pó, cola e crack. Um dia, eu cheguei drogada em casa e comecei a brigar com meu irmão. Eu puxei a faca para ele, e, quando minha mãe ficou sabendo, ela me bateu muito. Eu fiquei com medo de meu pai me bater mais, por isso fugi de casa e fui morar com meu namorado. Comecei a traficar, mas acabei usando o crack que era para eu vender. Usava todo dia. Fiquei com muito medo de morrer por causa da dívida e pedi ajuda na casa da minha tia. Ela ligou para a minha mãe, que foi até o Conselho Tutelar para pedir minha internação. Quase perdi a vida e o amor da minha mãe. Agora, quero mudar. Meu sonho é voltar a estudar e ser uma advogada. Vou procurar o NA (Narcóticos Anônimos) quando sair daqui e ajudar meu pai. Ele perdeu o emprego e começou a beber muito. Isso fez minha mãe sair de casa, mas eu quero morar com todo mundo junto. Se eu chegar em casa, e meu pai estiver alcoolizado, vou pedir que ele se recupere assim como eu.
“Sou apaixonada pelas drogas, mas não posso ter contato com elas, porque isso significa destruição”
P., 25 anos
O sorriso do filho a fortalece
Eu estava sem ânimo e sem nenhuma estrutura. Cada dia a gente vive como se fosse o último na clínica. É muito difícil. Quando tentei parar com o medicamento, meu rosto inchou e fiquei com muitas dores de cabeça, mas tenho que enfrentar tudo para ficar boa. Uso drogas desde os 13 anos. Primeiro veio a maconha, depois o pó (cocaína) e o crack misturado com a maconha. Aos 18 anos usava só crack. Também sou viciada em medicamentos. Já passei por cinco internações, mas essa é a primeira vez que aprendi coisas importantes sobre meu vício. Passei por clínicas evangélicas que não me ajudaram do jeito de que eu precisava. Aprendi que tenho uma doença, que sou apaixonada pelas drogas, mas que não posso ter contato com elas, porque isso significa destruição. Aprendi que a doença é incurável, progressiva e fatal. Aos 20 anos fiquei grávida. Usei crack até os nove meses de gravidez. Meu filho tem 5 anos. Quando nasceu, fiquei dois anos limpa, mas por influência de colegas voltei a usar. Eu não quero mais essa vida por causa do meu filho e por minha mãe, que é uma guerreira e nunca me abandonou, mesmo nas pioras horas. Já tenho um emprego em uma padaria me esperando lá fora. A recuperação leva tempo, mas só de ver o sorriso no rosto do meu filho fico mais forte.
Estado se une a clínicas: edital para credenciar instituições será lançado neste mês
O governo do Estado vai lançar neste mês um edital para credenciar comunidades terapêuticas para ampliar a oferta de vagas de internação para dependentes químicos. A medida faz parte de um conjunto de ações de enfrentamento às drogas.
O coordenador sobre Drogas, Ledir Porto, afirma que as casas que oferecem o tratamento para viciados e que querem a parceria do governo deverão cumprir uma série de requisitos. Entre eles estão: contar com profissionais técnicos de nível superior, estar em dia com os alvarás sanitários e do Corpo de Bombeiros, ter espaço suficiente para atividades físicas, além de seguir propostas de um plano pedagógico elaborado pelo governo.
“A ideia é disponibilizar a vaga para o paciente ficar no período máximo de seis meses. Ele pode sair antes, mas o tempo de internação vai depender do tratamento”, explica Porto. De acordo com o coordenador, não há prazo final para o credenciamento. O governo vai receber os pedidos e providenciar visitas técnicas aos locais para garantir o cumprimento das medidas e a assinatura dos contratos.
“A ação faz parte de todo um plano de reinserção social do cidadão. O ensino profissionalizante também será oferecido”, diz. Porto acrescenta que toda clínica ou comunidade terapêutica em condições de oferecer o tratamento para dependentes químicos poderá fazer o credenciamento, inclusive aquelas ligadas a religiões.
O governo estadual também vai implantar um centro de acolhimento na Grande Vitória. O local, que ainda não foi definido, vai funcionar como uma central de regulação das vagas adquiridas e daquelas de emergência na rede hospitalar estadual.
“Teremos leitos emergenciais em que o indivíduo poderá permanecer quatro, cinco dias. O governo também vai incentivar a multiplicação de grupos do Narcóticos Anônimos para que o paciente possa contar com esse apoio”, ressalta Porto.

Governo de SP lança bolsa para usuários de crack


Cartão será entregue às famílias dos dependentes somente para pagar clínicas credenciadas

Cracolândia em São Paulo Eliaria Andrade / Arquivo O Globo

SÃO PAULO — O governo de São Paulo lançará oficialmente nesta quinta-feira um programa pelo qual usuários de crack receberão uma bolsa de R$ 1.350 por mês para custear despesas com unidades de reabilitação e acolhimento social e evitar recaídas. O programa, que é visto com algumas ressalvas por especialistas, é anunciado ao mesmo tempo em que o atendimento a dependentes de drogas no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), do governo estadual, ainda esbarra em dificuldades, segundo juízes.

Pelo programa Recomeço, cada dependente químico maior de 18 anos receberá um cartão que só poderá ser usado para pagar tratamento em comunidades terapêuticas, onde poderão morar e se tratar por até seis meses. Inicialmente, o projeto vai beneficiar 3 mil dependentes químicos que já tenham passado por atendimento psiquiátrico anterior. Caberá às prefeituras indicar os nomes dos dependentes que receberão o cartão, pois são os municípios que gerenciam os Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), onde os viciados recebem atendimento ambulatorial. O projeto chegará primeiro a 11 cidades do interior do estado onde há Caps AD.

— Na comunidade terapêutica, o dependente tem qualificação profissional, de fortalecimento de vínculos com a família. Não tem médico, tem assistente social e pessoas que ministram oficinas para ajudar ele a se inserir na sociedade e no mercado de trabalho. Médico ele verá na rede de saúde pública e no Caps. O cartão agilizará o avanço do atendimento para o interior — explica o secretário de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia.

Segundo o secretário, na capital, o atendimento já é feito por comunidades terapêuticas conveniadas. Ele estima que em 60 dias já haverá pessoas começando a serem atendidas. As comunidades terapêuticas serão escolhidas pelo governo após passar por vistorias e terão que apresentar plano de atividades para os usuários, dentre outros requisitos. A iniciativa é inspirada num projeto similar feito pelo governo de Minas Gerais, onde a bolsa é de cerca de R$ 900.

A professora de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas Ana Cecília Marques disse que numa situação em que pouco se faz para resolver o problema do crack no país, a iniciativa é positiva e pode ajudar pacientes que não teriam alternativa de tratamento caso não recebessem a bolsa. Mas ela acredita que o governo deveria exigir que houvesse um médico dentro das comunidades terapêuticas credenciadas.

— Precisa de médico para fazer avaliação da síndrome de abstinência, que é um quadro grave e tem que ser tratado por um médico — afirma.

Thiago Fidalgo, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp , diz que o governo não deveria privilegiar a internação como solução para o problema das drogas, e sim investir em prevenção e tratamento ambulatorial, pois a internação é necessária em apenas alguns casos. Segundo ele, muitas comunidades terapêuticas não trabalham de forma adequada atualmente e precisariam se adequar.
— Em muitas comunidades terapêuticas, pelo menos no período inicial, o dependente não pode deixar a unidade. Cerca de 70% dos usuários de drogas têm doenças psiquiátricas que precisam ser tratadas e a maior parte das comunidades terapêuticas não tem psiquiatra. O ideal é que a comunidade estimule a inserção social. E como ela vai fazer isso se afasta a pessoa da comunidade? — questiona Fidalgo.

Mais de três meses depois de um plantão judiciário ter sido instalado no Cratod, unidade de referência ao atendimento de dependentes no estado, a burocracia ainda emperra a ajuda a viciados. Segundo o juiz Iasin Issa Ahmedas, ainda há casos de dependentes em crack que esperam 30 dias para serem internados por falta de vagas, mesmo quando possuem laudo médico recomendando internação e decisão judicial determinando que o estado tome providências.
           
— Na última sexta-feira houve um caso de um rapaz que estava há 30 dias esperando vaga, em casa. Ele estava estável, mas isso é um absurdo. Tem que ter vaga logo. A gente liga, cobra, e a vaga não sai. A novela desse rapaz acabou, ele conseguiu a vaga. Mas há uma burocracia enorme na área da saúde, as pessoas não se comunicam — disse Ahmedas.

Segundo a secretaria estadual de Saúde, desde que o plantão judiciário começou a atender no Cratod, em 21 de janeiro, até anteontem, o centro recebeu 25 mil telefonemas pedindo informações e foram realizadas 770 internações (sendo 712 voluntárias e 58 involuntárias, mas nenhuma compulsória). De acordo com a pasta, em 92% dos casos atendidos pela unidade, com necessidade constatada de internação, os pacientes permanecem por no máximo dois dias no Cratod, em leitos de observação, enquanto há a liberação de transferência para uma unidade hospitalar.