segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

No INSS, pedidos de auxílio-doença para usuários de drogas triplicam em oito anos


Por anos, o eletricista Cléber Wilson do Prado Franchi, de 35 anos, conciliou a rotina de trabalho com o vício do álcool e da cocaína. Em 2011, um aumento no consumo das duas drogas levou o profissional a apresentar sintomas como perda de raciocínio e coordenação, e fez com que ele fosse demitido da multinacional onde trabalhava. Nessa época, ele ingeria três litros de álcool por dia e chegou a ter duas overdoses. 

Em busca de ajuda, internou-se em uma clínica de reabilitação e, desde 2012, recebe um auxílio-doença mensal no valor de R$ 1.500. Isso fez com que ele entrasse em uma estatística preocupante que vêm crescendo nos últimos anos. O consumo de drogas no Brasil não só cresce, como também afasta cada vez mais brasileiros do mercado de trabalho.

Nos últimos oito anos, o total de auxílios-doença relacionados à dependência química simultânea de múltiplas drogas teve um aumento de 256%, pulando de 7.296 para 26.040. No mesmo período, o benefício concedido a viciados em cocaína e seus derivados, como crack e merla, também mais do que triplicou. Passou de 2.434, em 2006, para 8.638, em 2013, num crescimento de 254%. O uso de maconha e haxixe resultou, por sua vez, em auxílio para 337 pessoas, em 2013, contra 275, há oito anos.

Os dados inéditos foram obtidos pelo GLOBO com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ao todo, nos últimos oito anos, a soma de auxílios-doença concedidos a usuários de drogas em geral, como maconha, cocaína, crack, álcool, fumo, alucinógenos e anfetaminas, passou de um milhão. Só em 2013, essa soma alcançou 143.451 usuários.

Segundo o INSS, o total gasto em 2013 com auxílios-doença relacionados a cocaína, crack e merla foi de R$ 9,1 milhões. Os benefícios pagos a usuários de mais de uma droga somaram R$ 26,2 milhões. E a cifra total, relativa a todas as drogas (incluindo álcool e fumo), chegou a R$ 162,5 milhões.

O auxílio-doença varia de R$ 724 a R$ 4.390,24, de acordo com o salário de contribuição do segurado. O valor mensal médio pago a um dependente químico de cocaína e seus derivados é de R$ 1.058, e a duração média de recebimento é de 76 dias. Para ter direito, o segurado precisa de autorização de uma perícia médica e de atestados e exames que comprovem tanto a dependência química quanto a incapacidade para o trabalho. O tempo de recebimento do benefício é determinado pelo perito.

Uso de cocaína cresce no Brasil

A presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), a psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques, observou que, por conta do aumento do consumo de cocaína e crack, era esperado que houvesse um impacto também no mercado de trabalho brasileiro. A última edição do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostrou que, entre 2006 e 2012, duplicou o consumo de cocaína e seus derivados no Brasil. A pesquisa mostrou ainda que um em cada cem adultos consumiu crack em 2012, o que faz do país o maior mercado mundial do entorpecente. Na avaliação da psiquiatra, o consumo da droga já se tornou epidemia.

— Era esperado que tivesse um impacto no mercado de trabalho do país, com repercussões, por exemplo, em auxílios-doença para cuidar da saúde. Por conta do uso, o trabalhador adoece cada vez mais cedo, principalmente do sistema cardiovascular. E há também a questão da mortalidade precoce. É uma epidemia, o que é visto pelo número de casos novos na população ao longo dos anos —explicou Ana Cecília.

No ano passado, apenas os estados de Alagoas, Roraima e Sergipe não tiveram aumento do número de auxílios-doença relacionados ao uso de drogas em relação a 2012. Em São Paulo, estado que historicamente concentra o maior número de beneficiados, o total de auxílios-doença passou de 41 mil para 42.649. Na sequência, estão Minas Gerais (de 18.527 para 20.411), Rio Grande do Sul (de 16.395 para 16.632), Santa Catarina (de 13.561 para 14.176) e Paraná (de 9.407 para 10.369).

O diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, observa que o Brasil é um dos poucos países em que o consumo de crack e cocaína têm aumentado nos últimos anos.

— As pesquisas mostram que há, nos domicílios brasileiros, um milhão de usuários de crack e 2,6 milhões de usuários de cocaína. E uma parcela dessas pessoas trabalha. Então, não há dúvida de que tem um impacto no mercado de trabalho.

Em virtude do aumento da dependência química, o Ministério da Saúde informou que aumentará neste ano a capacidade de atendimento dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) 24 horas. Atualmente, o Brasil tem 47 unidades em funcionamento, com capacidade para 1,6 milhão de atendimentos por ano. O governo federal afirma que vai construir mais 132 unidades até o fim do ano, elevando a capacidade para 6,1 milhões de atendimentos anuais.

No Rio, concessão de benefício cresce 25% em um ano

No Rio de Janeiro, que historicamente é o sexto estado que mais concede auxílios-doença relativos a drogas, o pagamento do benefício cresceu 10% em 2013, passando de 6.577, em 2012, para 7.234. No mesmo período, a quantidade de benefícios concedidos a dependentes químicos de cocaína e crack teve um aumento de 25,2%, crescendo de 471 para 590.

No estado, sete de cada dez pacientes que procuram o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj — uma das principais referências no assunto — são dependentes de crack. Em geral, eles têm a opção de aderir a um tratamento em um dos 27 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) existentes na capital fluminense. Os Caps são unidades especializadas em saúde mental e buscam a reinserção social dos indivíduos que padecem de transtornos mentais graves e persistentes. Eles estão abertos ao usuário que quiser ajuda, mas também recebe pessoas encaminhadas pela assistência social ou por ordem judicial. Sua equipe é multidisciplinar e reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras.

Mas os espaços para acolhida costumam ser pequenos para a demanda. Nesse cenário, sofrem até os bebês que são abandonados por mães viciadas em crack e superlotam os abrigos existentes.

Em 2013, em entrevista ao GLOBO, a juíza titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital, Ivone Ferreira Caetano, alertou que os abrigos oferecidos pela prefeitura tinham virado verdadeiros depósitos de crianças. Em resposta, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social informou que a “lotação da rede pública para crianças de zero a 4 anos estava diretamente ligada à diminuição da capacidade de atendimento em clínicas e abrigos particulares” e que o abrigo Ana Carolina, em Ramos, seria reaberto.

Para atuação policial nas cracolândias do Rio, o Ministério da Justiça encaminhou ao estado, em novembro, armamento de baixa letalidade. A polícia recebeu 250 kits com pistolas de eletrochoque e spray de pimenta.

Vai cheirar cocaína? Então prepare-se para o pior! A droga afeta os sistemas neurológico e imunológico de forma irreversível e a ressaca química demora semanas


O uso de cocaína está disseminado em todas as camadas da sociedade. Entre os usuários, estão jovens de classe média que utilizam a droga nas baladas e em reuniões na casa de amigos. A maioria experimenta com o objetivo de conhecer seus efeitos ou até mesmo porque desejam passar mais tempo “ligadão”, embora muitos desconheçam que, mesmo o uso esporádico, é prejudicial.

Isso porque, as substâncias presentes na cocaína afetam o sistema neurológico e imunológico de forma irreversível e muito perigosa. Além de todas as transformações internas, o uso constante causa, ao longo dos anos, uma degradação física evidente.

“A cocaína é uma droga estimulante que afeta o organismo inteiro, atingindo principalmente cérebro, coração e a frequência respiratória”, explica a psiquiatra Ana Cecília Marques. Segundo o também psiquiatra  Anderson Ravy Stolf, mestrando do programa de pós-graduação em psiquiatria pela UFRGS, a cocaína, assim como o crack, está associada a uma diminuição da resposta imunológica do organismo.

“O uso dessas drogas facilita a ocorrência de infecções. Pode-se observar isso de forma clara nos pacientes que possuem infecção pelo HIV e utilizam cocaína. Eles são mais suscetíveis às infecções chamadas de oportunistas”, diz ele. No sistema neurológico, ela causa hiperexcitação cerebral e consequente morte dos neurônios e a diminuição da irrigação sanguínea no cérebro. A presença de cocaína no cérebro gera também alterações das funções neuropsicológicas, influenciando áreas relacionadas ao julgamento, percepção, concentração, tomada de decisões e impulsividade.

Além dos problemas internos, a droga também pode acabar com sua performance na cama. Isso porque, os usuários têm mais chances de sofrer de disfunção erétil e acabar broxando. “A cocaína pode causar impotência por vários motivos. Os mais comuns são os acidentes vasculares (isquemia) e depressão, afinal, durante a abstinência o homem fica abatido, apático, sem libido, em uma ressaca química que demora dias ou até mesmo semanas para passar”, explica a Dra Ana Cecília.

Ou seja, se momentaneamente a cocaína faz com que você aguente por mais tempo as baladas e sinta uma enorme euforia sexual, com o passar do tempo, a libido diminui e as chances de você ficar devendo na hora H aumentam e muito.

Caso você seja atleta e decida utilizar a cocaína para melhorar sua performance nos treinos, o sinal de alerta deve ser redobrado. Isso porque, de acordo com dr. Anderson, a droga gera um aumento das substâncias que, em níveis muito altos, prejudicam o músculo, como ácido lático. Por isso, não se iluda com a euforia durante o treino. Ela dá a falsa impressão de que a substância aumenta a capacidade de realizar exercícios. Mas o efeito é justamente contrário.

“Após uso agudo, principalmente quando em combinação com exercícios vigorosos, há aumento da  chance de infartos do coração e do cérebro (derrames), pela vasoconstrição das artérias”, explica o especialista.

Fisicamente não é possível precisar dentro de quanto tempo há mudança após uso intenso da droga, porque isso envolve a suscetibilidade individual à substância. Sabe-se que ela está associada ao aumento de problemas dermatológicos, inclusive infecções de pele, e à própria degradação da aparência física. Além disso, usuários constantes podem adquirir “toques”, gerados por dois motivos principais. “O mais comuns são: a intoxicação e a síndrome de abstinência”, alerta a Dra. Ana Cecília.

Entrevista concedida para o jornal O Povo - Fortaleza (CE)

>Por que o excesso de álcool causa tantos danos?
R. O etanol é uma substância depressora das atividades do sistema nervoso central, e dependendo da quantidade ingerida e do indivíduo promove analgesia, anestesia, coma e morte.
>Quais são os principais efeitos do álcool nas seguintes partes do corpo: cérebro, coração, fígado estômago, rins e músculos?
R. Desde uma ação lentificadora do funcionamento de todos os orgãos, até o total bloqueio, isto é abolição do funcionamento por meio de diferentes alterações (inflamação, fibrose, degeneração, atrofia, etc).
>Com o tempo vamos ficando mais resistentes, precisando de mais doses para garantir ou mesmo efeito (o que pode aumentar a dependência), ou é ao contrário (já que o fígado fica mais fraco)?
R. Tolerância é um mecanismo de adaptação do cérebro à substância: o indivíduo passa a utilizar maior quantidade da substância para obter o mesmo efeito do início do consumo.
>Parar de beber semanas antes do Carnaval para dar uma "trégua" ao organismo funciona? Uma espécie de "detox" do álcool?
R. Não funciona.
>Como o álcool age no organismo durante a ingestão?
R. Chega ao estomago, e cai no sangue, passando por todos os sistemas e pelo fígado onde é metabolizado por um conjunto de enzimas que o degradam.
>Como o álcool age no organismo ao longo dos anos?
R. O efeito é individual e depende da relação do usuário com a substância: uso eventual, frequente, abusivo ou dependente. Todos os orgãos são acometidos e a alteração depende da vulnerabilidade de cada um.
>Como podemos diferenciar abuso do álcool de alcoolismo?
R. A dependência do álcool é uma doença do cérebro onde o dependente perde o controle do consumo, tem tolerância, utiliza a despeito dos problemas, e quando cessa, apresenta um quadro abstinência com desejo incontrolável pela droga, entre outros sintomas e sinais.
>É possível recuperar o corpo da ingestão abusiva de álcool em curto período de tempo? Por exemplo, as pessoas que são adeptas do "beber, cair e levantar"?
R. Se não houver insuficiência hepática, cada dose leva de 1 a 2 horas para ser metabolizada, isto é, se beber 6 doses é necessáro um período de 6 a 12 horas para de desintoxicas, e também depende do sexo e de outras variáveis.
>Qual concentração de álcool é necessária no sangue para que o organismo comece a sentir os sintomas? Esse nível varia entre homens e mulheres?
R. Não existe uso seguro de álcool, cada indivíduo tem a sua resposta, pois muitos aspectos orgânicos estão envolvidos na sua metabolização. Com duas doses (2 latas de cerveja) pode acontecer alterações da percepção do ambiente, lentificação dos reflexos, alteração da atenção, para alguns uma discreta euforia, com diminuição da crítica sobre a realidade, entre outras.
>Quanto álcool nosso fígado consegue processar por hora?
R. 1 lata de cerveja ou 1 colo de vinho ou 40ml de destilado.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Em oito anos, auxílio-doença pago a dependentes químicos aumentou 256%


A quantidade de auxílios-doença concedidos a dependentes químicos aumentou 256%, em oito anos. Segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), divulgados pelo jornal O Globo, o total de usuários que dependem do benefício passou de 7.296 para 26.040. Esse número apenas acompanha o crescimento de usuários de álcool e drogas, principalmente de cocaína e crack.

Em detalhes, a ajuda financeira concedida pelo INSS a dependentes de crack e merla cresceu 254% nos últimos oito anos. Em 2006 eram 2.434 e e no ano passado, 8.638. No caso de usuários de maconha e haxixe, o aumento foi de 275 para 337. Só em 2013 foram pagos 143.451 novos benefícios. E nestes oito anos, o número de pessoas que recebem este auxílios ultrapassou 1 milhão.

Só no ano passado o INSS pagou R$ 162,5 milhões em auxílio-doença para usuários de vários tipos de entorpecentes e álcool. Deste total, R$ 9,1 milhões foram apenas para dependentes de cocaína, crack e merla. O valor médio pago a esse público é de R$ 1.058. Mas, o benefício varia de R$ 724 a R$ 4.390,24. O valor é definido de acordo com o salário de contribuição do segurado.

Perdas no mercado de trabalho

O jornal O Globo ouviu a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead). A entidade lembrou que por causa do crescimento de usuários de cocaína e crack, o impacto no mercado de trabalho brasileiro era esperado. O Observatório do Crack, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), comprova este problema. Em 98% dos Municípios do Brasil há registro do uso da droga.

Ainda segundo o O Globo, São Paulo é o Estado com maior número de auxílios-doença pagos: 42.649. Em seguida estão Minas Gerais, 20.411 benefícios; Rio Grande do Sul, 16.632; Santa Catarina, 14.176 e Paraná, 10.369. Na contramão, os Estados com menor quantidade de auxílios para usuários são de Alagoas, Roraima e Sergipe.

O auxílio-doença é pago a dependentes de álcool e drogas após uma perícia médica e apresentação de atestados. Exames que comprovem a dependência e a incapacidade para o trabalho também são exigidos. O tempo de recebimento do benefício é determinado pelo perito médico do INSS.

Prevenção: sempre bem-vinda

O corpo docente do Iavne recebeu a visita da Dra. Ana Cecília P. Roselli Marques,  psiquiatra e presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), que palestrou sobre o tema "prevenção na escola e comportamentos de risco". O evento foi realizado no Anfiteatro.

Médica Psiquiatra e Doutora em Ciências pela Unifesp, Ana Cecília discursou sobre o papel da escola como fator de proteção, enfatizando diversas frentes: "A escola precisa manter o professor atualizado, aplicar regras de disciplina, desenvolver valores religiosos, reforçar o ensino nas áreas de matemática e leitura", disse.

A Dra. Ana Cecília apresentou o "Ubachartá Bachaim", que começa neste semestre, com palestras e atividades dirigidas a pais e alunos. "Será um trabalho de prevenção no Iavne, desenvolvido com alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. O projeto será dividido em duas fases: na primeira, haverá formação de um grupo de prevenção que fará analise de comportamentos para a implantação de ações. Já na segunda etapa, o grupo fará a supervisão das ações para os alunos, bem como a capacitação contínua de prevenção, entre outros".

Durante o encontro, a Dra. Ana Cecília falou sobre as mudanças que a sociedade vem vivendo nos últimos anos, principalmente com a evolução permanente e rápida da tecnologia, e citou como essas mudanças afetam a vida na escola. "Hoje, quem trabalha na escola precisa estar antenado com as mudanças. Os alunos, por exemplo, absorvem as informações com grande rapidez. A escola tem de se adaptar", pontuou.

"A sociedade nunca esteve imune aos comportamentos de risco. Eles mudam conforme o tempo passa, mas sempre estão presentes", destacou a Dra. Ana Cecília. Segundo ela, nos últimos anos o número de comportamentos de risco aumentou. "Com esse aumento, observamos que eles aparecem cada vez mais precocemente. Portanto, temos de aproveitar todo o conhecimento adquirido sobre esses assuntos para trabalharmos com objetividade as prevenções com os alunos", finalizou.



"Modelos repressivos fracassaram", diz psiquiatra sobre ação na Cracolândia

Como era esperado, os dependentes de crack inscritos na Operação Braços Abertos, iniciada nesta quinta-feira (16) na Cracolândia, em São Paulo, não deixaram de consumir a droga, como mostrou reportagem do Estado de S.Paulo. O programa, segundo a prefeitura, tem como objetivo devolver a dignidade dos usuários. Nenhum dos participantes é obrigado a se tratar para ganhar  R$ 15 por dia, hospedagem, refeições e assistência médica em troca das quatro horas de varreção diárias.

"É uma proposta de reinserção social, não de tratamento", enfatiza o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador do Programa de Orientação, Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e consultor técnico da área de saúde mental, álcool e drogas da Secretaria da Saúde de São Paulo. "É uma construção", mencionou a secretária municipal de Assistência Social, Luciana Temer, na reportagem

Redução de danos
Para o especialista da Unifesp, referência em redução de danos no país, a medida é reflexo da conclusão de que "os modelos mais repressivos e coercitivos fracassaram no mundo inteiro" no que se refere às drogas. Na opinião do médico, tirar o usuário de seu ambiente para tratá-lo não funciona a longo prazo, mesmo quando há recursos financeiros, porque a droga "não é causa, é consequência". Para ele, ficar 'limpo' quando se está em uma clínica é uma situação fácil. "Mas quando a pessoa volta para a sua vida e seus problemas, ela recai", diz.

Silveira acredita no tratamento ambulatorial, como o oferecido nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) Álcool e Drogas hoje no país. "Mas para o crack faltava outras coisas. Não dá para tratar uma pessoa que está há três dias sem comer", explica.
Ele lembra que a taxa de sucesso para quem inicia tratamento contra drogas é de apenas 35% em qualquer parte do mundo. "Essa pessoa tem que ser isolada da sociedade?", pergunta, referindo-se aos 65% restantes. "É aí que entra a redução de danos: ela pode adquirir formas de consumo que sejam o mais compatível possível com uma vida normal", considera o psiquiatra, que cita a enorme quantidade de pessoas que trabalham o dia todo e se drogam quando chegam em casa, sem causar comoção à sociedade. 

Tentação do dinheiro

Fabian Nacer, que já foi dependente de heroína, de crack, e chegou a morar na Cracolândia por seis anos, acha que a ação da prefeitura "é uma grande furada" e não vai dar em nada. Na contramão do que defende o psiquiatra da Unifesp, ele é enfático sobre a primeira providência que deveria ser tomada em relação à região: afastar os usuários daquele ambiente. 

Nacer está há anos sem consumir droga. Fez faculdade, especializou-se em dependência química e hoje faz palestras sobre o tema em escolas e outras instituições. "Até hoje sou chamado para fazer trabalhos na Cracolândia e eu não vou", enfatiza. Ele também levanta outra questão: "Uma nota de dez reais parece um demônio [para quem está em tratamento]. O cara precisa ficar longe de dinheiro, às vezes até por dois anos", recomenda o ex-usuário.

A observação de Nacer faz mais sentido depois que se ouve como é a rotina dos habitantes da Cracolândia: "Eu dormia na rua e, ao acordar, ia direto para o farol. Eu tinha no máximo 40 minutos para conseguir dez reais, senão começava a passar mal, a perna tremia, me dava vontade de vomitar e eu chegava até a ficar agressivo". Vencida a primeira fissura, todo o resto do dia se resumia a conseguir mais dinheiro para consumir mais pedras.

 "Estão querendo dizer que, se a pessoa tiver dignidade, ela vai ter gosto pela vida e vai querer se tratar - eu não sei de onde eles tiraram isso". Na opinião dele, todos esses conceitos estão muito distantes quando se tem uma necessidade física para suprir, ainda que para os assistentes sociais o usuário chore e jure que quer largar aquela vida

Nacer sugere que a operação nada mais é do que um acordo com os usuários para "deixar a rua limpa", mencionando a minifavela que foi desmontada no local. "Você sai de lá, varre um pouco e eu te dou dinheiro", ironiza. Ele acredita que no início alguns usuários até vão cumprir a jornada para receber o salário e comprar mais droga, mas acha que, aos poucos, eles devem deixar de aderir.

Doença do cérebro
A psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), também acredita que a operação "é dinheiro público mal aplicado", e que não adianta reinserir o usuário socialmente se não houver tratamento primeiro.
Ela acha que até pode haver boa intenção na iniciativa, apesar de mencionar a proximidade com a Copa do Mundo, mas pensa que há um profundo desconhecimento sobre o crack por trás da ação. 

"A dependência é uma doença do cérebro, que abole a capacidade da pessoa de resolver os problemas do dia a dia", diz. "Em casos leves, até é possível conciliar reinserção social com tratamento, mas em casos graves é preciso tirar a pessoa daquele ambiente", declara.

Para concluir o assunto, a médica faz uma observação: "Quando um paciente está muito doente, a gente dá uma licença-saúde para ele se tratar. Eles estão fazendo o contrário: estão mandando pessoas doentes trabalhar".

Prefeitura de SP começa a remover barracos erguidos na Cracolândia

Poder público tenta, novamente, retirar os moradores da região.  Trezentas pessoas serão encaminhadas para hotéis.


A Prefeitura de São Paulo está retirando os moradores que ocuparam a região conhecida como Cracolândia. Trezentas pessoas serão encaminhadas para pequenos hotéis e vão ter alimentação, trabalho e estudo, para, aos poucos, saírem das drogas.

Para a retirada, há pessoas para limpar o local, para vigiar, para orientar e para cuidar. Com todo esse pessoal, o poder público tenta, de novo, agir na região e retirar as pessoas de barracas montadas nas ruas. 

O crack fez essas pessoas se submeterem a condições absolutamente desumanas de vida em barracas, onde colchão, roupas, lixo, restos de comida e objetos catados na rua se misturam. Há também muita mosca e coisas molhadas por causa da chuva. 

“Das outras vezes, nós éramos tratados todos como marginais, criminosos. Hoje, somos doentes precisando de uma oportunidade”, diz uma das moradoras do local.
Os funcionários da Prefeitura vão desmontando os barracos e acumulando pedaços de madeira, papelão, telha, toda a estrutura que formava esses barracos. Os moradores só puderam retirar os objetos pessoais, como roupas. 

Os moradores estão indo para hotéis pagos pela Prefeitura, onde vão ter alimentação, cursos de qualificação e um pequeno salário para trabalhar em varrição de praças. “Nós temos que ter o tempo dessas pessoas. Se ela quiser se libertar, liberar ou deixar de consumir a droga, acho isso muito louvável, e esse é o caminho que indicamos. Agora, se ela tiver uma condição que ela pode continuar trabalhando e ir se desligando aos poucos da droga, também é um caminho que aceitamos”, explica o secretário de Saúde de São Paulo, José de Filippi Júnior. 

“Eu acho que é uma medida ingênua, bem intencionada, mas infelizmente, boas intenções não funcionam em uma situação tão grave como essa. Então, eu não vejo muita coerência de você promover a reinserção antes de fazer o tratamento”, opina a psiquiatra Ana Cecília Marques, professora da Unifesp. 

Uma das mulheres que estava morando nas ruas e agora está no hotel fala, sem se identificar, sobre o que quer para o futuro: “Primeiramente, eu preciso muito de um lar e recuperar meu filho. Eu preciso sair para ter ele de volta. É a coisa mais importante do mundo”. 



No trânsito, drogas também podem matar


Efeitos de substâncias ilícitas e medicamentos alteram o comportamento do motorista

Desde a criação da Lei Seca, há cinco anos,   o número de mortes no trânsito vem diminuindo gradualmente. De janeiro a setembro de 2007, quando foi lançada,  301 pessoas foram vítimas de acidentes fatais no DF. No mesmo período de 2013, foram 271. Ainda pequena, sem chegar a 10%, a redução   mostra a necessidade de investimento em novas estratégias contra a impunidade. O problema é que muitos não dirigem apenas sob o efeito de álcool. Drogas ilícitas também   estão por trás dos volantes. Por isso, alertam especialistas: o desafio agora é outro.

 “O uso de entorpecentes ou até mesmo de medicamentos receitados, dependendo da química deles, afeta completamente a percepção do indivíduo. É claro que cada pessoa tem a sua reação, mas o normal é a redução da capacidade de avaliar vários fatores necessários para dirigir, como o reflexo. A maconha, por exemplo, inibe a agilidade da reação”, aponta a psiquiatra e presidente do Instituto Nacional de Política Sobre Drogas (Inpad), Ana Cecília Marques. 

 Por isso, sugere a especialista, “se existe uma lei para coibir a ingestão de álcool, deveria  ter uma para inibir o uso de drogas antes de dirigir”. Contudo, opina, a discussão esbarra em   aspectos sociais e políticos. “O consumo de drogas   aumenta  em todo o mundo. O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de cocaína, por exemplo.  É muito claro para a gente que isso esbarra nos números de violência no trânsito. Quem cheira fica eufórico,  pode perder a noção de perigo”.

Medicamentos
Além das substâncias ilícitas, outro aspecto preocupa os especialistas: o uso de remédios   como antidepressivos e emagrecedores. 

“Vários medicamentos criam restrições à pessoa poder dirigir. Muitos   tiram a capacidade de moderação, o reflexo, causam sonolência. E, mesmo assim, elas dirigem. Esse fato é conhecido pelas autoridades”, diz o especialista em trânsito Carlos Penna. 

 Segundo o pesquisador, não existem pesquisas que digam o número de acidentes   fatais envolvendo o uso de drogas. Informação essa que considera “importante e relevante para dar rumo às novas campanhas e ações de trânsito”. Para Penna, o debate é complexo, levando-se em conta as limitações da atual legislação.  “A pessoa não é obrigada a produzir provas contra si, certo? Já temos o primeiro entrave. E existe ainda a coisa da privacidade do indivíduo. É complicado mesmo”, analisa. 

 Entre os moradores do DF que usam drogas e dirigem está Roberto (nome fictício),   37 anos. Promotor de festas, ele reconhece seu vício em maconha e afirma: “Fumo várias vezes por dia. Dirijo, trabalho, faço tudo normalmente”. Para ele, o entorpecente não tira sua percepção ao volante, por isso,  não representa perigo. “A única coisa  alterada é a minha percepção mental das coisas, mas fisicamente não muda nada”, diz. 
 Questionado sobre a possibilidade de ser flagrado em uma blitz, ele responde: “Não tenho medo. Não faço mal a ninguém”.

Campanhas para alertar a população 
Para o especialista em trânsito Paulo César Marques, o ideal para   diminuir o uso de drogas entre motoristas seria aumentar o número e a qualidade das campanhas de trânsito,  hoje  focadas apenas no perigo do álcool.
 “Quando o indivíduo cheira cocaína, por exemplo, pode ficar mais agressivo. A pessoa fica   mais excitada e pode querer dirigir com mais velocidade. O perigo existe e é legalmente condenável, mas acredito nas campanhas educativas”, ressalta. 

 Nos bares e boates, o tema provoca discussões e revela a insegurança de quem diz não usar nenhum tipo de droga. “Acho a ideia de um drogômetro super-válida. Porque eu posso ser vítima de alguém que dirige sob o efeito de drogas. É perigoso, é irresponsável”, diz a cantora Ana Carolina Nóbrega, 33. 
 Acostumado a ver a movimentação dos jovens à noite, o segurança Francisco (nome fictício), que trabalha em uma boate,  diz que o problema aumenta a cada dia. “Tem uns que não estão em condição alguma de dirigir. Eles chegam a se encostar na porta do veículo para descansar. Imagina como uma pessoa assim consegue se responsabilizar pela direção de um carro?!”.

Problema nas estradas
Nas rodovias do País, o problema chegou a tal ponto que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) determinou, a partir de 2014, a obrigatoriedade do exame toxicológico para renovação da carteira entre motoristas profissionais das categorias C (carga superior a 3 mil quilos), D (mais de oito passageiros) e E. A medida tem o objetivo de reduzir o número de mortes nas estradas brasileiras, que chega a 43 mil pessoas por ano.  
De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, o uso de drogas estimulantes, como o crack e a cocaína, é comum entre caminhoneiros que dirigem mais de oito horas seguidas. 

 Os testes, que serão feitos no ato de tirar ou renovar a carteira, deverão identificar o uso de drogas nos últimos 90 dias. Se o resultado acusar o uso de algum tipo de entorpecentes, o motorista pode fazer uma contraprova até 90 dias depois do exame. Nas estradas, porém, a ideia é reprovada até por quem diz não fazer uso de tais substâncias. 

“Se a pessoa pode fazer uma contraprova, o que me parece? Que o governo quer arrecadar com a sobrecarga de trabalho dos caminhoneiros e com o problema do vício. Não é assim que se resolve a coisa”, diz Dejivan (nome fictício), condutor de um caminhão de cargas. 

 Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a quantidade de drogas apreendidas nas estradas aumentou até setembro de 2013 em comparação a todo o ano de 2012.  Até dezembro de 2012, haviam sido  recolhidos 248 quilos de maconha, e em 2013 o número passou para 632 quilos, um aumento de 154%. Já a apreensão de cocaína triplicou, passando de 60 quilos para 180. “Muita gente usa mesmo, mas tem condutor que carrega produto perecível e  não pode parar. Não é fácil julgar e querer condenar”, argumenta ainda Dejivan. 

 Já para Joel (nome fictício), também caminhoneiro, apesar de o problema ter como pano de fundo a exigência de entrega em determinado tempo, o drogômetro pode diminuir o número de acidentes. “Eu já vi gente usando cocaína na minha frente, uma cena horrorosa. E não é pouca gente que usa não. Por isso, o aparelho vem para ajudar. Mas, claro, tem que ter uma discussão maior. Não é só o caminhoneiro o responsável por isso”, aponta.

Disponível em: http://www.jornaldebrasilia.com.br/noticias/cidades/522903/no-transito-drogas-tambem-podem-matar/



São Paulo irá oferecer 400 vagas de trabalho para usuários de drogas

Voluntário terá 3 refeições e R$ 15 por dia, além de hospedagem em hotel. Tratamento médico será obrigatório para os interessados.

A Prefeitura de São Paulo anunciou que vai oferecer trabalho e moradia para o usuário de droga da Cracolândia que passar por tratamento médico. As vagas que a Prefeitura vai oferecer aos dependentes químicos são em serviços de zeladoria, como limpeza da cidade e recolhimento de materiais recicláveis.

Quem entrar no programa vai ter que trabalhar quatro horas por dia e passar duas horas em programas de requalificação profissional. Serão oferecidas 400 vagas. Em troca, a Prefeitura oferece três refeições diárias, hospedagem em hotéis da região, R$ 15 por dia, com pagamento semanal, tudo acompanhado de tratamento médico obrigatório.

O secretário municipal de Segurança Urbana Roberto Porto acredita que o programa vai dar certo porque partiu de sugestões dos próprios usuários. “Eles propuseram em reuniões com o prefeito, que foram mantidas por diversas semanas, eles é que apontaram as necessidades para se poder fazer um tratamento maior, algo que partiu de uma necessidade deles mesmos”, declarou o secretário.

Segundo a Prefeitura, a ideia é mudar um pouco a lógica normalmente aplicada nesse tipo de programa, que é de primeiro tratar o doente do ponto de vista médico e só depois promover a reintegração na sociedade, oferecendo emprego e moradia.

Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), disse que desconhece uma experiência semelhante citada pela Prefeitura que teria tido êxito na Holanda e duvida dos resultados em São Paulo. "A reinserção sem cumprir as etapas recomendadas do tratamento é como se eu começasse ao contrário. Eu aplicaria os recursos público seguindo os princípios recomendados do melhor tratamento para os pacientes", disse.


O secretário de Segurança Urbana disse ainda que os barracos que estão na Cracolândia vão ser desmontados pelos próprios usuários de droga depois de receber a ajuda da Prefeitura.

Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/sao-paulo-ira-oferecer-400-vagas-de-trabalho-para-usuarios-de-drogas.html

Reportagem levanta debate sobre o programa Crack, É Possível Vencer

No final de dezembro de 2013, o jornal Gazeta do Povo lançou a reportagem com o título: “Plano anticrack investe apenas 37% do previsto”. O CRESS/PR, como integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Paraná (FEDDH-PR)*, reproduz a seguir trechos da reportagem, entretanto antes fazendo algumas ressalvas:
- A FEDDH considera que o governo federal centralizou suas ações em uma perspectiva prioritariamente punitiva dos usuários de drogas, especialmente no programa ‘Crack É possível Vencer’, centralizando o tratamento pela via da internação e da abstinência, o que se choca frontalmente com a Reforma Psiquiátrica no Brasil.
- O combate ao crack tem sido o carro-chefe das políticas governamentais, em consonância com a massiva agitação dos meios de comunicação com relação a uma suposta ‘epidemia’ desta droga. Em nome de uma suposta política de amparo aos usuários, diversas ações de higienização da pobreza estão acontecendo, com encaminhamentos forçados de usuários de crack – em sua maioria, em situação de rua – a albergues e comunidades terapêuticas.
- A FEDDH-PR se posiciona contra estas comunidades terapêuticas. Esses equipamentos – em sua maioria privados e patrocinados por entidades religiosas e ‘figurões’ da grande política – tem recebido co-financiamento do Estado brasileiro, especialmente a partir da instalação do Plano “Crack – É possível vencer”. A situação desses internamentos é absolutamente preocupante, uma vez que as denúncias de maus-tratos, ausência de equipe técnica responsável pelos atendimentos, opressão de gênero, imposição religiosa, trabalho forçado e outras matizes de violações de direitos humanos são comuns.
- Neste sentido a reportagem traz um panorama preocupante sobre a intenção do governo em abrir 10 mil vagas nestas comunidades até o fim de 2014.
- A reportagem apresenta alguns termos que não são recomendados ao tratar deste tema, como “Epidemia” – pois não há dados que comprovem que o uso de crack possa ser considerado uma epidemia –, “anticrack” ou “antidrogas” – pois remetem a política proibicionista de drogas, criminalizando o usuário, enquanto deve-se encara-la como política de atenção às pessoas que usam drogas, e “consultório de rua” – quando na verdade o nome conforme a Portaria Nº 3088 de 23/12/2011 é ‘consultório na rua’.
Com estas ressalvas, segue a seguir a reportagem do jornal Gazeta do Povo (autoria: Rafael Waltrick)
Plano anticrack investe apenas 37% do previsto

Governo precisa dobrar o ritmo de investimentos para atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em prevenção e tratamento até o fim de 2014
Se quiser atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em ações de combate, tratamento e prevenção ao uso de drogas até o fim do ano que vem, o governo federal precisará mais do que dobrar o ritmo de investimentos na área. Lançado em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, o programa Crack, É Possível Vencer ainda não chegou a investir metade dos recursos previstos. Conforme balanço do próprio governo, em dois anos foi aplicado R$ 1,5 bilhão nos estados e municípios, o equivalente a 37,5% do total previsto.
Os números mostram que o grosso dos investimentos ficará mesmo para o próximo ano, principalmente no que se refere à expansão da estrutura de saúde mental, principal gargalo do programa até o momento. Nesse eixo, estão incluídas a ampliação e criação de unidades de atendimento e tratamento, como Centros de Atenção Psicossocial (Caps) 24 Horas, unidades de acolhimento e leitos especializados em hospitais gerais.
A previsão do governo federal, por exemplo, é que até o fim de 2014 sejam disponibilizados 1.741 leitos especializados em hospitais gerais nos municípios que pactuaram ao programa, e mil leitos deveriam ser abertos ainda neste ano – o último balanço, de outubro, aponta 635 unidades. Outra meta previa a abertura de 202 Caps 24 horas em 2013, mas somente 43 saíram do papel até então.
Discordância
As metas e balanços do programa são motivo de discordância entre o governo federal e os gestores responsáveis pelas ações nos estados e municípios considerados prioritários – entram na lista as capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes.
Desde agosto, os números passaram a ser compilados e divulgados em um site lançado pelo Ministério da Justiça para concentrar as informações do programa e dar transparência às ações. Gestores e assessores das cidades paranaenses consultados pela reportagem, no entanto, afirmam que os dados têm distorções e não levam em conta medidas recentes implantadas pelas prefeituras ou metas que foram revistas.
O portal, chamado de “Observatório Crack, É Possível Vencer” também não traz detalhes sobre o orçamento previsto para o próximo ano ou o investimento detalhado por município ou estado.
Para este ano, conforme a Casa Civil, o programa tinha um orçamento de R$ 1,8 bilhão – até outubro, teriam sido aplicados R$ 660 milhões, o equivalente a 36% do planejado.
Os Ministérios da Saúde e da Justiça não dão detalhes sobre as razões dos atrasos nas ações. Mesmo assim, a pasta da saúde reforça que investirá R$ 2 bilhões até 2014 – do R$ 1,5 bilhão aplicados até agora, R$ 1,4 bilhão saiu da pasta. Segundo o ministério, somados aos investimentos em assistência social e segurança pública, o programa atingirá a marca de R$ 4 bilhões no ano que vem.
Internação
Em 2 anos, 4.071 vagas foram abertas em comunidades terapêuticas
Uma das metas que, segundo o Ministério da Justiça, tem avançado desde o lançamento do programa Crack, É Possível Vencer, em dezembro de 2011, é a ampliação do número de vagas para tratamento em comunidades terapêuticas. Até o mês passado, o ministério havia firmado contrato com 183 comunidades em todo o país, gerando a abertura de 4.071 vagas nesses locais – a intenção é que o número chegue a 10 mil no fim de 2014.
A parceria com as comunidades terapêuticas, no entanto, é visto com ressalvas por especialistas, que criticam a morosidade do governo em investir em serviços de tratamento na rede pública. “Internação em comunidade terapêutica não é tratamento, é reinserção social. Essas comunidades não têm equipe de saúde, não fazem desintoxicação ou diagnóstico. Quando esse indivíduo sair desse local, vai precisar de acompanhamento e tratamento para o resto da vida, já que [a dependência] é uma doença crônica”, afirma a psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques.
Para a médica, desde o lançamento do programa, em 2011, não há avanços concretos em prevenção e tratamento, como a tão falada ampliação dos leitos especializados em hospitais gerais. “Estamos engatinhando ainda”, resume.

Dependência
Pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) mostra que 80% dos usuários de crack manifestam desejo de buscar tratamento. Somente nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal estima-se que haja 370 mil usuários regulares de crack ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi). Entre esses, 50 mil são menores de 18 anos, o que demanda políticas públicas específicas para adolescentes.

28 milhões é o número de pessoas no Brasil que vivem com um dependente químico, conforme o Levantamento Nacional de Famílias de Dependentes Químicos, divulgado este mês pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo a pesquisa, o tempo médio para a busca de ajuda após o conhecimento do uso de álcool e/ou outras drogas é três anos. Entre os que usam cocaína e crack, o tempo é menor, dois anos.
Disponível em: http://www.cresspr.org.br/site/reportagem-levanta-debate-sobre-o-programa-crack-e-possivel-vencer-2/