sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A volta do Bicho de Uma Cabeça..

Posicionamento da Associação Brasileira do Estudo do Álcool e Outras Drogas - ABEAD

A televisão, em sua condição peculiar de espelho de toda a sociedade, pode felizmente promover o pluralismo, mas pode ampliar a simples emissão de uma opinião comprometendo não apenas aquele que a pronuncia. Em uma novela veiculada no horário nobre, arte que pode ensinar tantas coisas, o que se viu nos últimos dias sobre o tratamento psiquiátrico no Brasil propaga uma receita errada, baseada em opinião equivocada.

Embora o tratamento para dependência de drogas, caso este fosse o diagnóstico da paciente, não passe nem perto da sala de eletroconvulsoterapia, pois não é indicada para dependentes, esta terapêutica se mostra segura para muitos casos de transtornos mentais. O que causa vergonha e indignação nas cenas absurdas que foram apresentadas nos últimos capítulos da novela Amor a Vida, é que se cria uma imagem de desumanização no momento mesmo em que se poderia divulgar a intervenção psiquiátrica como mais um alento para quem experimenta sofrimento.

É verdade que, de acordo com a lei, um juiz pode decretar a internação compulsória para indivíduos em risco de morte ou de causar sérios danos à terceiros, e ainda bem que existe tal possibilidade. Quando necessitam ser acalmados em seus episódios de agitação, delírio ou agressividade, com o uso de tratamento medicamentoso, estes indivíduos não babam, não comem com a mão e muito menos ficam descabelados, quase demenciados; muito ao contrário, conseguem a calma e repouso necessários para que o cérebro “saia do transe” e volte a se organizar. Além disso, se internados, os pacientes recebem muitas outras intervenções, como sessões de terapia, aconselhamento e treinamento sobre seu problema, exercícios físicos, aulas de música e artes, enfim, um menu de atividades de acordo com cada plano terapêutico. Tudo isto para que possam resgatar a autonomia, a autoestima, o equilíbrio, a liberdade de decisão, o autocuidado e o autocontrole, para que o risco de morte ou de agravamento de sua doença não rondem mais a sua vida e das pessoas próximas.

Dignidade humana é reconhecer que somos também determinados pela fisiologia de nossos corpos, que ainda causa espanto e maravilha tantos neurocientistas por sua complexidade. A dependência de drogas, como outros transtornos, é uma doença em que o cérebro tem papel fundamental, que pode ser prevenida, e, apesar de complexa, é tratável, com boas taxas de recuperação. Colocar inadequadamente uma forma de tratamento acessível e eficaz para outros problemas, como mera técnica de exclusão, de forma arbitrária, sem qualquer critério, é prestar um desserviço ao povo brasileiro, no momento mesmo em que a internação é debatida no meio político.

A televisão parece se tornar um enorme bicho de uma cabeça só, que tivesse a missão de escolher ou esconder diferentes realidades, entre elas, a dificuldade de fazer valer o direito humano de preservar a vida com modernidade, boas práticas e respeito!

Ana Cecília Marques 
Presidente da Associação Brasileira do Estudo do Ácool e Outras Drogas - ABEAD

Gilberto Lucio da Silva

Vice-presidente Associação Brasileira do Estudo do Ácool e Outras Drogas - ABEAD

ABEAD elege nova diretoria


No último dia 6 de setembro, ocorreu uma Assembleia Geral da ABEAD, durante XXII Congresso, onde foi realizada a eleição para a nova diretoria da Associação. A psiquiatra Ana Cecília Marques foi escolhida como a nova presidente da instituição. 

Confira a composição da nova diretoria:

Presidente: Ana Cecília Marques
 
1º Vice: Gilberto Silva
2º Vice: Selene Franco Barreto
3º Vice: Sabrina Presman
 
Secretária: Alessandra Diehl
 
Tesoureira: Carla Bicca
 
Conselho Consultivo:
Analice Gigliotti
Angelo Martines Campana 
Carlos Salgado
Dagoberto Hungria Requião 
Joaquim Ferreira de Melo Neto
José Manoel Bertolote
Raul Caetano 
Sergio de Paula Ramos
 
Conselho Fiscal:
Irani Argimon
Maria Angela Madeira
Ana Cristina Melo e Souza
Renata Brasil Araújo
Luiz Guilherme Pinto

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Participação no Seminário Internação Compulsória: rediscutindo o SIM e o NÃO




O SindSaúde-SP realizou no dia 26/08, no auditório Franco Montoro da ALESP o Seminário Internação Compulsória: rediscutindo o SIM e o NÃO.

No dia 11 de janeiro de 2013, o governo do estado de São Paulo anunciou medidas para tirar das manchetes da imprensa a cracolândia paulistana. Passados seis meses, muita polêmica entre especialistas de diversas áreas e na sociedade em geral, o SindSaúde-SP retoma a discussão para avaliar os resultados e as consequências das medidas do governo estadual.

O presidente Gervásio Foganholi e a secretária de Saúde do Trabalhador Roseli Ilídio do SindSaúde-SP coordenaram o seminário. 

O presidente abriu o debate destacando que, antes de ser um tema jurídico ou médico, a dependência química de crack e outras drogas similares é uma questão social. A internação pode ser uma das etapas de um tratamento médico, porém sem políticas públicas sociais que ofereçam condições de vida aos dependentes e seus familiares a internação compulsória é mais uma medida vazia.

A secretária de Saúde do Trabalhador foi objetiva. A internação compulsória é uma política de higienização. Não foi pautado no controle social, não foi debatido com a sociedade. Não foram criados leitos para esses casos, retirando leitos dos SUS. Não foram contratados profissionais especializados, sobrecarregando os profissionais existentes, sem condições de trabalho e segurança.

O único hospital que está preparado para a internação compulsória é o PINEL, porém não possui infraestrutura para receber mais pacientes. Em todo o estado, por determinação do governo, foram reservados 25% dos leitos existentes do SUS para os encaminhamentos do CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas). Como não houve aumento de leitos no estado, as internações locais e regiões ficaram prejudicadas.

O promotor Eduardo Ferreira Valério, do Ministério Público do Estado de São Paulo, abordou os aspectos jurídicos e legais que envolvem a dependência química e a internação compulsória. Destacou que de janeiro até agora houve somente um caso de internação compulsória. O plantão no Cratod, com juízes, promotores, advogados e assistentes, é uma medida desnecessária, custosa e atrapalha o trabalho da equipe de especialistas da saúde da unidade.

Quanto ao outro programa do governo do estado, lançado em maio, no valor de R$ 1.350,00 por dependente químico, o promotor destacou três problemas. O dinheiro é repassado aos municípios que por sua vez repassa a comunidades terapêuticas que correm o risco de se tornar uma instituição asilar. Citou o relatório do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo com sérias denúncias. Além disso, não há informações sobre o número de comunidades existentes, a localização dessas unidades, o processo de repasse da verba e o controle social sobre o uso da verba.

A professora Ana Cecília Marques, psiquiatra e pesquisadora do Instituto Nacional de Tecnologia e Ciência para Políticas sobre Álcool e Drogas, falou da necessidade de se garantir uma política de drogas moderna, levando-se em conta as experiências de outros países. Ela destacou que participou de diversos fóruns em todo o país para elaboração de um relatório sobre drogas e uma política nacional anti-drogas não saiu da gaveta até o momento.

O desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relatou experiências pessoais na militância para recuperar jovens dependentes. É contrário a internação como meta. Vê a medida como uma exceção, pois é “o abandono do estado e o vazio na alma que levam às drogas”. O tratamento é somente um P. S. Faltam políticas mais amplas. Se faltam políticas públicas de educação e saúde, por exemplo, qualquer P. S. não resolve. 

O deputado estadual Adriano Diogo (PT) também participou do seminário falando sobre o livro Holocausto Brasileiro da jornalista Daniela Arbex que relata os horrores praticados no hospital psiquiátrico de Barbacena em Juiz de Fora (MG). 

No debate, trabalhadores de diversos hospitais e unidades diretamente afetados pela internação compulsória apontaram os problemas decorrentes dessa internação compulsória, como as dificuldades para a “desinternação”, o choque entre diagnóstico médico e decisão judicial, a falta de leitos para outros casos de internação psiquiátrica, entre outros. 

Após o debate e com o aval dos presentes, o presidente do SindSaúde-SP resumiu os encaminhamentos da atividade: formação de uma comissão de trabalhadores que atuam na internação compulsória para elaboração de um relatório e o aprofundamento do debate em outro seminário, envolvendo mais entidades do controle social e incluindo o tema maioridade penal, que tem relação direta com a internação compulsória