domingo, 9 de setembro de 2012

Treinamento de enfermeiros é falho para cuidar de dependente químico


É o que afirmam especialistas sobre funcionários do Hospital Lacan, em São Bernardo, que sofrem ataques e ameaças de pacientes


Protesto em frente ao Lacan, onde uma funcionária já foi ameaçada de morte. Foto: Amanda Perobelli  

Especialistas em atendimento a dependentes químicos revelaram que os casos de agressão e ameaças infringidas a funcionários da ala destinada ao tratamento de dependentes químicos do Hospital Lacan, localizado em São Bernardo, podem estar ligados a falhas no treinamento do corpo de enfermagem. No último dia 21 de agosto, um grupo do corpo de enfermagem denunciou episódios de violência.

Desde o início do mês, cinco técnicos de enfermagem foram agredidos e ameaçados por internados. O último caso ocorreu no dia 17, quando uma trabalhadora foi ameaçada de morte com uma arma branca, fabricada por um interno. No caso mais grave, ocorrido em 2 de agosto, quatro funcionários foram amarrados, amordaçados, espancados e roubados por pacientes que fugiram em seguida. 

De acordo com os funcionários ouvidos pela reportagem – que não quiseram revelar as identidades por temerem represálias da direção do hospital –, as ameaças são constantes. “Não temos segurança para trabalhar, vivemos com medo”, afirmou uma técnica de enfermagem. A reivindicação é de que a segurança seja reforçada na unidade. Atualmente, apenas seguranças patrimoniais atuam no hospital.

A Associação Brasileira de Psiquiatria informou que não existe legislação específica que preveja seguranças dentro de clínicas e hospitais psiquiátricos. Para Ana Cecília Petta Roselli Marques, psiquiatra, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e conselheira consultiva da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), casos como os relatados no Hospital Lacan não são comuns nos centros de tratamento de dependentes químicos.

Jeito - “Os pacientes podem ficar agressivos durante as crises de abstinência e o corpo clínico deve conter o indivíduo física ou mecanicamente (com o uso de camisas de força). Depois é aplicado o medicamento e normalmente o paciente se acalma. Não há necessidade de seguranças dentro do hospital ou clínica para isso”, relatou.

Ana Cecília reforçou que uma equipe bem treinada e entrosada consegue notar as mudanças no comportamento dos pacientes, evitando situações perigosas e agindo com tranquilidade. No entanto, a agressividade demonstrada no caso do Lacan chamou a atenção da psiquiatra, com 30 anos de experiência na área. “Em toda minha carreira nunca vi esse tipo de situação. É preciso checar o diagnóstico destes pacientes, que parecem sofrer de transtorno de conduta. Nestes casos, esse tipo de hospital não é o ideal para a internação”, comentou.

Psicólogo afirma que violência é comum

O psicólogo Marcos Levi Gonçalves Mello, que também acumula 30 anos em atendimento a dependentes de drogas e álcool e já trabalhou no Lacan, afirmou que casos de violência por parte dos pacientes não são incomuns. “Isso pode acontecer, mas o ponto crucial é treinar permanentemente a equipe para atuar com firmeza e segurança. Normalmente, isso é negligenciado tanto na rede pública como particular”, lamentou.

Já a coordenadora do serviço de Saúde Mental de Diadema, Cibele de Toledo Neder, apontou o modelo de atendimento do Lacan como responsável pelos casos de violência. “Neste local usa-se a internação compulsória, quando o usuário é levado mesmo contra sua vontade. O hospital acaba se transformando uma espécie de cadeia, o que estimula agressões e rebeliões”, afirmou.

No modelo dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), não há atendimento sem autorização do dependente. “Fazemos um trabalho de abordagem e resgate da vida social, conscientizando sobre o uso das drogas e suas consequências. Por isso não temos casos de agressões nestes centros”, destacou Cibele.

Para sindicato, diretoria peca por omissão

O presidente do SindSaúde ABC (Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Privados de Saúde e Empresas que Prestam Serviços de Saúde e Atividades Afins do ABCDMRP), Valdir Tadeu David, informou que os funcionários do Hospital Lacan tentaram negociar com a diretoria, mas não houve resposta aos pedidos. “Os episódios de violência foram levados ao conhecimento da direção, mas nada é feito.”

Cerca de 100 funcionários, divididos em quatro turnos, trabalham no Hospital Lacan, que integra o Grupo Saúde Bandeirantes, instituição filantrópica de utilidade pública federal, estadual e municipal fundada em maio de 1975 e qualificada como Organização Social pelo governo do Estado de São Paulo. Procurado, o Grupo Saúde Bandeirantes não se manifestou sobre as denúncias dos funcionários.

Serviços - A instituição oferece serviços de internação para pacientes com dependência química, alcoolismo e transtornos mentais, tais como depressão, psicose, ansiedades, entre outras patologias. Também há atendimento ambulatorial, com consultas agendadas com psiquiatras e psicólogos.

Desde março de 2009 o Hospital Lacan conta com uma clínica pública para adultos dependentes químicos, com 30 leitos. Em abril deste ano, o governador Geraldo Alckmin inaugurou no Hospital Lacan o primeiro serviço especializado em tratamento de gestantes com dependência química do Estado.


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