Um operador de máquinas da Goodyear
começou a cheirar cola aos 13 anos. Pouco tempo depois conheceu a maconha e,
aos 28 anos, virou usuário de cocaína. Exaurido pelos problemas causados pela
dependência química, ele decidiu mudar o estilo de vida. E foi na empresa que
encontrou o apoio necessário para dar fim ao vício. A ajuda partiu de um
programa de combate à dependência química, o Prosa G, implantado na fábrica da
Goodyear em Americana (SP). Como o operador de máquinas, quem decide participar
do projeto, que tem duração de dois anos, recebe acompanhamento médico e
psicológico.
Durante
o primeiro ano, o apoio é estendido aos familiares e a etapa final do
tratamento incluiu 30 dias de internação em uma clínica especializada, além de
todo suporte posterior.
Outro
funcionário da Goodyear, da área de construção de pneus, abandonou a
dependência ao álcool, engrossando a lista dos quase 60 colaboradores que o
programa já reabilitou desde sua implementação, em 2005. Ele conta que já
conhecia o programa por meio das palestras na empresa, mas só aceitou a ajuda
quando percebeu que a dependência afetava sua rotina, inclusive durante o
expediente. “Eu deixei de ser responsável, não tinha compromisso com o
trabalho, não cumpria todas as normas e tinha deixado até de usar alguns
equipamentos de segurança”, afirma. Hoje, aos 37 anos, não sente saudade da
vida que levava anteriormente.
Para
o gerente de Recursos Humanos da Goodyear de Americana, José Carlos Marzochi, o
segredo da eficiência no combate ao abuso do álcool e entorpecentes no ambiente
de trabalho é um programa voltado tanto para os interesses da companhia quanto
dos colaborares e de seus familiares. “O assunto exige atenção especial das
áreas de Medicina do Trabalho, Assistência Social e RH das organizações que
buscam melhoria contínua”, diz Marzochi. Ele lembra que o consumo de drogas
está diretamente relacionado a acidentes de trabalho, queda de produtividade,
absenteísmo e deterioração das relações sociais e familiares.
De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), 71% dos usuários de drogas ilícitas em todo mundo estão empregados
e fazem parte do mercado de trabalho. Os profissionais ouvidos pela reportagem
destacam que, se não fosse o apoio recebido da empresa, não teriam abandonado o
vício. “Voltei a sonhar”, ressalta o operador de máquinas, que se diz ainda
mais feliz por ter estabelecido um elo mais forte com a filha.
Redução
do fumo
Já o programa antitabagismo da
ArcelorMittal, em Tubarão (SC), conseguiu reduzir de 34% para zero o número de
fumantes entre seus 4,8 mil colaboradores. Desde o início, em 1993, a produtora
de aço contabilizou uma economia de R$ 30 milhões com despesas médicas. Aberta
para os contratados e também para os terceirizados, a iniciativa espera, além
do benefício financeiro, contribuir para que nenhum desses profissionais tenha
futuramente uma das 53 doenças a que estão mais expostos os dependentes do
cigarro.
O
programa surgiu após a realização de uma pesquisa, em 1992, que mapeou o número
de fumantes, há quanto tempo fumavam e qual o interesse em parar com o vício. O
tratamento inclui a formação de grupos de apoio, palestras educativas,
acompanhamento médico e uso de medicamentos, exames periódicos e implantação de
áreas restritas para o fumo.
Segundo
o gerente de Saúde e Medicina da ArcelorMittal, Fernando Ronchi, a primeira
turma contou com 20 empregados que aderiram imediatamente. O programa foi
ganhando força na medida em que os resultados eram percebidos pelos colegas. “O
tratamento é realizado em grupo, em que cada empregado conta suas experiências,
aflições e constrangimentos, além de refletir sobre a importância de parar de
fumar”, afirma Ronchi. Quem precisa de suporte medicamentoso conta com uma
equipe multidisciplinar que garante todas as orientações e suporte. “As
reuniões acontecem a cada quatro semanas, durante seis meses”, acrescenta o
gerente, complementando que o controle passa a ser feito posteriormente por
meio dos exames periódicos.
Um
programa antitabagista também faz parte da política da Dow Brasil. A iniciativa
visa melhorar a qualidade de vida dos profissionais e já resultou em redução
considerável do percentual de tabagistas na empresa. No início do projeto, em
1995, 24% dos colaboradores eram fumantes; em 2012, apenas 5% deles fumavam.
Lucio Ribeiro, coordenador dos Serviços de Saúde da companhia, explica que quem
adere à iniciativa tem, além de toda a estrutura de apoio, subsídio de 80% na
compra dos medicamentos necessários para abandonar o vício. “Acreditamos que os
investimentos em iniciativas como essa são ínfimos comparados ao retorno”, diz
ele, referindo-se aos benefícios tanto para a empresa quanto para o
colaborador.
Apesar dos resultados satisfatórios, as
empresas que dão suporte aos dependentes ou que têm projetos nesse sentido são
exceções no Brasil, segundo a psiquiatra e conselheira da Associação Brasileira
de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecilia Roselli Marques.
Preocupada com as consequências do trabalho sob efeito de substâncias químicas,
Ana é favorável a políticas empresariais sobre drogas e a adoção de testes
toxicológicos obrigatórios no ambiente de trabalho, principalmente em
atividades que colocam a vida de outras pessoas em risco, como operadores de
máquinas. Uma ideia da gravidade são os dados do Ministério da Saúde, que
registram que o álcool é responsável por 50% do absenteísmo – terceira causa de
faltas ao trabalho – e licenças médicas – três vezes mais que outras doenças. O
abuso de álcool também reduz em até 67% a capacidade produtiva do funcionário e
é responsável por cerca de 25% dos acidentes de trabalho. “As empresas precisam
encarar a dependência química de frente, como uma doença e sem preconceitos”,
afirma Ana Cecilia.
No Brasil, exceto a Lei 12.619/12 – que
obriga o motorista profissional a submeter-se a exames toxicológicos – não
existe nenhuma previsão legal para a realização desses testes por parte do
empregador, explica Giancarlo Borba, advogado especializado em direito
trabalhista. Livre para decidir se deve ou não submeter a equipe ao
procedimento, Borba alerta para outros detalhes. “É importantíssimo que seja
esclarecido que o exame será feito por profissionais especializados, usando
métodos confiáveis e que o resultado permanecerá em total sigilo”, afirma ele,
que completa: “Além disso, deve se deixar claro que o resultado admite
contraprova”.
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