Por anos, o eletricista Cléber Wilson do Prado Franchi, de 35 anos,
conciliou a rotina de trabalho com o vício do álcool e da cocaína. Em 2011, um
aumento no consumo das duas drogas levou o profissional a apresentar sintomas
como perda de raciocínio e coordenação, e fez com que ele fosse demitido da
multinacional onde trabalhava. Nessa época, ele ingeria três litros de álcool
por dia e chegou a ter duas overdoses.
Em busca de ajuda, internou-se em uma
clínica de reabilitação e, desde 2012, recebe um auxílio-doença mensal no valor
de R$ 1.500. Isso fez com que ele entrasse em uma estatística preocupante que
vêm crescendo nos últimos anos. O consumo de drogas no Brasil não só cresce,
como também afasta cada vez mais brasileiros do mercado de trabalho.
Nos últimos oito anos, o total de auxílios-doença relacionados à
dependência química simultânea de múltiplas drogas teve um aumento de 256%,
pulando de 7.296 para 26.040. No mesmo período, o benefício concedido a
viciados em cocaína e seus derivados, como crack e merla, também mais do que
triplicou. Passou de 2.434, em 2006, para 8.638, em 2013, num crescimento de
254%. O uso de maconha e haxixe resultou, por sua vez, em auxílio para 337
pessoas, em 2013, contra 275, há oito anos.
Os dados inéditos foram obtidos pelo GLOBO com o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS). Ao todo, nos últimos oito anos, a soma de auxílios-doença
concedidos a usuários de drogas em geral, como maconha, cocaína, crack, álcool,
fumo, alucinógenos e anfetaminas, passou de um milhão. Só em 2013, essa soma
alcançou 143.451 usuários.
Segundo o INSS, o total gasto em 2013 com auxílios-doença relacionados a cocaína, crack e merla foi de R$ 9,1 milhões. Os benefícios pagos a usuários de mais de uma droga somaram R$ 26,2 milhões. E a cifra total, relativa a todas as drogas (incluindo álcool e fumo), chegou a R$ 162,5 milhões.
O auxílio-doença varia de R$ 724 a R$ 4.390,24, de acordo com o salário de
contribuição do segurado. O valor mensal médio pago a um dependente químico de cocaína
e seus derivados é de R$ 1.058, e a duração média de recebimento é de 76 dias.
Para ter direito, o segurado precisa de autorização de uma perícia médica e de
atestados e exames que comprovem tanto a dependência química quanto a
incapacidade para o trabalho. O tempo de recebimento do benefício é determinado
pelo perito.
Uso de cocaína cresce no Brasil
A presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas
(Abead), a psiquiatra Ana Cecilia Petta Roselli Marques, observou que, por conta
do aumento do consumo de cocaína e crack, era esperado que houvesse um impacto
também no mercado de trabalho brasileiro. A última edição do Levantamento
Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), promovido pela Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), mostrou que, entre 2006 e 2012, duplicou o consumo de cocaína
e seus derivados no Brasil. A pesquisa mostrou ainda que um em cada cem adultos
consumiu crack em 2012, o que faz do país o maior mercado mundial do
entorpecente. Na avaliação da psiquiatra, o consumo da droga já se tornou
epidemia.
— Era esperado que tivesse um impacto no mercado de trabalho do país, com
repercussões, por exemplo, em auxílios-doença para cuidar da saúde. Por conta
do uso, o trabalhador adoece cada vez mais cedo, principalmente do sistema
cardiovascular. E há também a questão da mortalidade precoce. É uma epidemia, o
que é visto pelo número de casos novos na população ao longo dos anos —explicou
Ana Cecília.
No ano passado, apenas os estados de Alagoas, Roraima e Sergipe não tiveram
aumento do número de auxílios-doença relacionados ao uso de drogas em relação a
2012. Em São Paulo, estado que historicamente concentra o maior número de
beneficiados, o total de auxílios-doença passou de 41 mil para 42.649. Na
sequência, estão Minas Gerais (de 18.527 para 20.411), Rio Grande do Sul (de
16.395 para 16.632), Santa Catarina (de 13.561 para 14.176) e Paraná (de 9.407
para 10.369).
O diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas
Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), o psiquiatra Ronaldo Laranjeira,
observa que o Brasil é um dos poucos países em que o consumo de crack e cocaína
têm aumentado nos últimos anos.
— As pesquisas mostram que há, nos domicílios brasileiros, um milhão de
usuários de crack e 2,6 milhões de usuários de cocaína. E uma parcela dessas
pessoas trabalha. Então, não há dúvida de que tem um impacto no mercado de
trabalho.
Em virtude do aumento da dependência química, o Ministério da Saúde
informou que aumentará neste ano a capacidade de atendimento dos Centros de
Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) 24 horas. Atualmente, o Brasil
tem 47 unidades em funcionamento, com capacidade para 1,6 milhão de
atendimentos por ano. O governo federal afirma que vai construir mais 132
unidades até o fim do ano, elevando a capacidade para 6,1 milhões de
atendimentos anuais.
No Rio, concessão de benefício cresce 25% em um ano
No Rio de Janeiro, que historicamente é o sexto estado que mais concede
auxílios-doença relativos a drogas, o pagamento do benefício cresceu 10% em
2013, passando de 6.577, em 2012, para 7.234. No mesmo período, a quantidade de
benefícios concedidos a dependentes químicos de cocaína e crack teve um aumento
de 25,2%, crescendo de 471 para 590.
No estado, sete de cada dez pacientes que procuram o Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj — uma das principais referências
no assunto — são dependentes de crack. Em geral, eles têm a opção de aderir a
um tratamento em um dos 27 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) existentes na
capital fluminense. Os Caps são unidades especializadas em saúde mental e
buscam a reinserção social dos indivíduos que padecem de transtornos mentais
graves e persistentes. Eles estão abertos ao usuário que quiser ajuda, mas
também recebe pessoas encaminhadas pela assistência social ou por ordem
judicial. Sua equipe é multidisciplinar e reúne médicos, assistentes sociais,
psicólogos e psiquiatras.
Mas os espaços para acolhida costumam ser pequenos para a demanda. Nesse
cenário, sofrem até os bebês que são abandonados por mães viciadas em crack e
superlotam os abrigos existentes.
Em 2013, em entrevista ao GLOBO, a juíza titular da 1ª Vara da Infância, da
Juventude e do Idoso da capital, Ivone Ferreira Caetano, alertou que os abrigos
oferecidos pela prefeitura tinham virado verdadeiros depósitos de crianças. Em
resposta, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social informou que a
“lotação da rede pública para crianças de zero a 4 anos estava diretamente
ligada à diminuição da capacidade de atendimento em clínicas e abrigos
particulares” e que o abrigo Ana Carolina, em Ramos, seria reaberto.
Para atuação policial nas cracolândias do Rio, o Ministério da Justiça
encaminhou ao estado, em novembro, armamento de baixa letalidade. A polícia
recebeu 250 kits com pistolas de eletrochoque e spray de pimenta.
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