No final de dezembro
de 2013, o jornal Gazeta do Povo lançou a reportagem com o título: “Plano
anticrack investe apenas 37% do previsto”. O CRESS/PR, como integrante da
Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Paraná (FEDDH-PR)*, reproduz a
seguir trechos da reportagem, entretanto antes fazendo algumas ressalvas:
- A FEDDH considera
que o governo federal centralizou suas ações em uma perspectiva
prioritariamente punitiva dos usuários de drogas, especialmente no programa
‘Crack É possível Vencer’, centralizando o tratamento pela via da internação e
da abstinência, o que se choca frontalmente com a Reforma Psiquiátrica no
Brasil.
- O combate ao crack
tem sido o carro-chefe das políticas governamentais, em consonância com a
massiva agitação dos meios de comunicação com relação a uma suposta ‘epidemia’
desta droga. Em nome de uma suposta política de amparo aos usuários, diversas
ações de higienização da pobreza estão acontecendo, com encaminhamentos
forçados de usuários de crack – em sua maioria, em situação de rua – a
albergues e comunidades terapêuticas.
- A FEDDH-PR se posiciona
contra estas comunidades terapêuticas. Esses equipamentos – em sua maioria
privados e patrocinados por entidades religiosas e ‘figurões’ da grande
política – tem recebido co-financiamento do Estado brasileiro, especialmente a
partir da instalação do Plano “Crack – É possível vencer”. A situação desses
internamentos é absolutamente preocupante, uma vez que as denúncias de
maus-tratos, ausência de equipe técnica responsável pelos atendimentos,
opressão de gênero, imposição religiosa, trabalho forçado e outras matizes de
violações de direitos humanos são comuns.
- Neste sentido a
reportagem traz um panorama preocupante sobre a intenção do governo em abrir 10
mil vagas nestas comunidades até o fim de 2014.
- A reportagem
apresenta alguns termos que não são recomendados ao tratar deste tema, como
“Epidemia” – pois não há dados que comprovem que o uso de crack possa ser
considerado uma epidemia –, “anticrack” ou “antidrogas” – pois remetem a
política proibicionista de drogas, criminalizando o usuário, enquanto deve-se
encara-la como política de atenção às pessoas que usam drogas, e “consultório
de rua” – quando na verdade o nome conforme a Portaria Nº 3088 de 23/12/2011 é
‘consultório na rua’.
Com estas ressalvas,
segue a seguir a reportagem do jornal Gazeta do Povo (autoria: Rafael Waltrick)
Plano
anticrack investe apenas 37% do previsto
Governo precisa dobrar o ritmo de investimentos para atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em prevenção e tratamento até o fim de 2014
Governo precisa dobrar o ritmo de investimentos para atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em prevenção e tratamento até o fim de 2014
Se quiser atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em
ações de combate, tratamento e prevenção ao uso de drogas até o fim do ano que
vem, o governo federal precisará mais do que dobrar o ritmo de investimentos na
área. Lançado em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, o programa
Crack, É Possível Vencer ainda não chegou a investir metade dos recursos
previstos. Conforme balanço do próprio governo, em dois anos foi aplicado R$
1,5 bilhão nos estados e municípios, o equivalente a 37,5% do total previsto.
Os números mostram que o grosso dos investimentos
ficará mesmo para o próximo ano, principalmente no que se refere à expansão da
estrutura de saúde mental, principal gargalo do programa até o momento. Nesse
eixo, estão incluídas a ampliação e criação de unidades de atendimento e
tratamento, como Centros de Atenção Psicossocial (Caps) 24 Horas, unidades de
acolhimento e leitos especializados em hospitais gerais.
A previsão do governo federal, por exemplo, é que
até o fim de 2014 sejam disponibilizados 1.741 leitos especializados em
hospitais gerais nos municípios que pactuaram ao programa, e mil leitos
deveriam ser abertos ainda neste ano – o último balanço, de outubro, aponta 635
unidades. Outra meta previa a abertura de 202 Caps 24 horas em 2013, mas
somente 43 saíram do papel até então.
Discordância
As metas e balanços do programa são motivo de
discordância entre o governo federal e os gestores responsáveis pelas ações nos
estados e municípios considerados prioritários – entram na lista as capitais e
cidades com mais de 200 mil habitantes.
Desde agosto, os números passaram a ser compilados
e divulgados em um site lançado pelo Ministério da Justiça para concentrar as
informações do programa e dar transparência às ações. Gestores e assessores das
cidades paranaenses consultados pela reportagem, no entanto, afirmam que os
dados têm distorções e não levam em conta medidas recentes implantadas pelas
prefeituras ou metas que foram revistas.
O portal, chamado de “Observatório Crack, É
Possível Vencer” também não traz detalhes sobre o orçamento previsto para o
próximo ano ou o investimento detalhado por município ou estado.
Para este ano, conforme a Casa Civil, o programa tinha
um orçamento de R$ 1,8 bilhão – até outubro, teriam sido aplicados R$ 660
milhões, o equivalente a 36% do planejado.
Os Ministérios da Saúde e da Justiça não dão
detalhes sobre as razões dos atrasos nas ações. Mesmo assim, a pasta da saúde
reforça que investirá R$ 2 bilhões até 2014 – do R$ 1,5 bilhão aplicados até
agora, R$ 1,4 bilhão saiu da pasta. Segundo o ministério, somados aos
investimentos em assistência social e segurança pública, o programa atingirá a
marca de R$ 4 bilhões no ano que vem.
Internação
Em 2 anos, 4.071 vagas foram abertas em comunidades
terapêuticas
Uma das metas que, segundo o Ministério da Justiça,
tem avançado desde o lançamento do programa Crack, É Possível Vencer, em
dezembro de 2011, é a ampliação do número de vagas para tratamento em
comunidades terapêuticas. Até o mês passado, o ministério havia firmado
contrato com 183 comunidades em todo o país, gerando a abertura de 4.071 vagas
nesses locais – a intenção é que o número chegue a 10 mil no fim de 2014.
A parceria com as comunidades terapêuticas, no
entanto, é visto com ressalvas por especialistas, que criticam a morosidade do
governo em investir em serviços de tratamento na rede pública. “Internação em
comunidade terapêutica não é tratamento, é reinserção social. Essas comunidades
não têm equipe de saúde, não fazem desintoxicação ou diagnóstico. Quando esse
indivíduo sair desse local, vai precisar de acompanhamento e tratamento para o
resto da vida, já que [a dependência] é uma doença crônica”, afirma a
psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras
Drogas (Abead), Ana Cecília Marques.
Para a médica, desde o lançamento
do programa, em 2011, não há avanços concretos em prevenção e tratamento, como
a tão falada ampliação dos leitos especializados em hospitais gerais. “Estamos
engatinhando ainda”, resume.
Dependência
Dependência
Pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz a pedido
da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) mostra que 80% dos
usuários de crack manifestam desejo de buscar tratamento. Somente nas 26
capitais brasileiras e no Distrito Federal estima-se que haja 370 mil usuários
regulares de crack ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla
e oxi). Entre esses, 50 mil são menores de 18 anos, o que demanda políticas públicas
específicas para adolescentes.
28 milhões é o número de pessoas no Brasil que vivem com um dependente químico, conforme o Levantamento Nacional de Famílias de Dependentes Químicos, divulgado este mês pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo a pesquisa, o tempo médio para a busca de ajuda após o conhecimento do uso de álcool e/ou outras drogas é três anos. Entre os que usam cocaína e crack, o tempo é menor, dois anos.
Disponível em: http://www.cresspr.org.br/site/reportagem-levanta-debate-sobre-o-programa-crack-e-possivel-vencer-2/
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