Apesar de, infelizmente, ainda não ser possível avaliar no
momento, com critérios rigorosos e científicos se o programa de reinserção
social De Braços Abertos --oferecido pela Prefeitura de São Paulo aos usuários
de drogas que estão em situação de rua na cracolândia-- vem produzindo
resultados positivos ou negativos, a grosso modo parece que nada adiantou.
Ao contrário, as evidências jornalísticas mostram que o número de
usuários aumentou na região da cracolândia --localizada na Luz, próxima à Sala
São Paulo, no coração do centro da cidade. Além disso, os usuários de drogas se
espalharam para outras áreas, como a avenida Paulista, o que já era de se
esperar com a aplicação de qualquer medida isolada.
Isso significa que a dependência de drogas é uma doença que se
desenvolve no cérebro, muito complexa, e que precisa de várias etapas de
intervenção.
São elas: desintoxicação, diagnóstico aprofundado da gravidade e
de suas consequências, estabilização, prevenção de recaída, manutenção e
seguimento. Ao longo do processo, cada caso recebe também a reinserção social.
Vale a pena ressaltar que desde o início das ações na cracolândia
há pelo menos cinco anos, as expectativas sempre foram as melhores, mas sempre
muito ingênuas.
Hoje, com o conhecimento disponível sobre o tema, como é possível
imaginar que os indivíduos que lá estão, comprometidos física, mental e
socialmente, podem ser reabilitados da dependência de drogas?
Como é possível imaginar que recuperar aqueles indivíduos que
enfrentam a dependência do crack, uma doença que se desenvolve no cérebro, com
repercussões profundamente deteriorantes e com diferentes consequências, sem
tratamento, apenas por meio de trabalho e de uma moradia? Ou apenas com visitas
aos centros de apoio?
A questão vai muito além. Para intervir em uma questão tão
complexa, que coloca o usuário entre a vida e a morte a todo momento, pelos
mais diversos motivos, que atinge a família e a toda a sociedade, é preciso
adotar uma política de drogas humana, ecológica e ajustada a cada realidade.
É verdade que esse fenômeno ainda carece de estudos, ele não é de
todo conhecido, mas os princípios para a elaboração de uma política baseada em
boas práticas vem sendo discutidos no mundo.
A discussão mais importante hoje em dia é como entender de uma vez
por todas qual o impacto das drogas e que esse impacto não será controlado por
medidas simples e desconectadas.
É preciso uma política robusta, específica para cada droga e para
cada contexto, e para o crack um capítulo especial àqueles que estão em
situação de rua.
Política essa que significa um conjunto de medidas aplicadas ao
mesmo tempo e na mesma direção.
A reinserção social é preciso, mas o tratamento e o controle da
oferta de drogas são imprescindíveis.
Quando será que o governo irá assumir o seu papel de gestor e
promover a coalizão das ações, implementando um método mais efetivo para o
problema?
E quando será também que a sociedade brasileira vai entender que
tem direito --humano-- às melhores práticas disponíveis e que deve lutar junto
com o governo por um desfecho positivo para o problema das drogas?
Ou será que, contemplativa e depressivamente, assistiremos mais
uma vez ao "retorno da cracolância"? Não. Existe esperança, existe
ciência, e agora é a vez da política.
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