sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Reportagem levanta debate sobre o programa Crack, É Possível Vencer

No final de dezembro de 2013, o jornal Gazeta do Povo lançou a reportagem com o título: “Plano anticrack investe apenas 37% do previsto”. O CRESS/PR, como integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos do Paraná (FEDDH-PR)*, reproduz a seguir trechos da reportagem, entretanto antes fazendo algumas ressalvas:
- A FEDDH considera que o governo federal centralizou suas ações em uma perspectiva prioritariamente punitiva dos usuários de drogas, especialmente no programa ‘Crack É possível Vencer’, centralizando o tratamento pela via da internação e da abstinência, o que se choca frontalmente com a Reforma Psiquiátrica no Brasil.
- O combate ao crack tem sido o carro-chefe das políticas governamentais, em consonância com a massiva agitação dos meios de comunicação com relação a uma suposta ‘epidemia’ desta droga. Em nome de uma suposta política de amparo aos usuários, diversas ações de higienização da pobreza estão acontecendo, com encaminhamentos forçados de usuários de crack – em sua maioria, em situação de rua – a albergues e comunidades terapêuticas.
- A FEDDH-PR se posiciona contra estas comunidades terapêuticas. Esses equipamentos – em sua maioria privados e patrocinados por entidades religiosas e ‘figurões’ da grande política – tem recebido co-financiamento do Estado brasileiro, especialmente a partir da instalação do Plano “Crack – É possível vencer”. A situação desses internamentos é absolutamente preocupante, uma vez que as denúncias de maus-tratos, ausência de equipe técnica responsável pelos atendimentos, opressão de gênero, imposição religiosa, trabalho forçado e outras matizes de violações de direitos humanos são comuns.
- Neste sentido a reportagem traz um panorama preocupante sobre a intenção do governo em abrir 10 mil vagas nestas comunidades até o fim de 2014.
- A reportagem apresenta alguns termos que não são recomendados ao tratar deste tema, como “Epidemia” – pois não há dados que comprovem que o uso de crack possa ser considerado uma epidemia –, “anticrack” ou “antidrogas” – pois remetem a política proibicionista de drogas, criminalizando o usuário, enquanto deve-se encara-la como política de atenção às pessoas que usam drogas, e “consultório de rua” – quando na verdade o nome conforme a Portaria Nº 3088 de 23/12/2011 é ‘consultório na rua’.
Com estas ressalvas, segue a seguir a reportagem do jornal Gazeta do Povo (autoria: Rafael Waltrick)
Plano anticrack investe apenas 37% do previsto

Governo precisa dobrar o ritmo de investimentos para atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em prevenção e tratamento até o fim de 2014
Se quiser atingir a meta de aplicar R$ 4 bilhões em ações de combate, tratamento e prevenção ao uso de drogas até o fim do ano que vem, o governo federal precisará mais do que dobrar o ritmo de investimentos na área. Lançado em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, o programa Crack, É Possível Vencer ainda não chegou a investir metade dos recursos previstos. Conforme balanço do próprio governo, em dois anos foi aplicado R$ 1,5 bilhão nos estados e municípios, o equivalente a 37,5% do total previsto.
Os números mostram que o grosso dos investimentos ficará mesmo para o próximo ano, principalmente no que se refere à expansão da estrutura de saúde mental, principal gargalo do programa até o momento. Nesse eixo, estão incluídas a ampliação e criação de unidades de atendimento e tratamento, como Centros de Atenção Psicossocial (Caps) 24 Horas, unidades de acolhimento e leitos especializados em hospitais gerais.
A previsão do governo federal, por exemplo, é que até o fim de 2014 sejam disponibilizados 1.741 leitos especializados em hospitais gerais nos municípios que pactuaram ao programa, e mil leitos deveriam ser abertos ainda neste ano – o último balanço, de outubro, aponta 635 unidades. Outra meta previa a abertura de 202 Caps 24 horas em 2013, mas somente 43 saíram do papel até então.
Discordância
As metas e balanços do programa são motivo de discordância entre o governo federal e os gestores responsáveis pelas ações nos estados e municípios considerados prioritários – entram na lista as capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes.
Desde agosto, os números passaram a ser compilados e divulgados em um site lançado pelo Ministério da Justiça para concentrar as informações do programa e dar transparência às ações. Gestores e assessores das cidades paranaenses consultados pela reportagem, no entanto, afirmam que os dados têm distorções e não levam em conta medidas recentes implantadas pelas prefeituras ou metas que foram revistas.
O portal, chamado de “Observatório Crack, É Possível Vencer” também não traz detalhes sobre o orçamento previsto para o próximo ano ou o investimento detalhado por município ou estado.
Para este ano, conforme a Casa Civil, o programa tinha um orçamento de R$ 1,8 bilhão – até outubro, teriam sido aplicados R$ 660 milhões, o equivalente a 36% do planejado.
Os Ministérios da Saúde e da Justiça não dão detalhes sobre as razões dos atrasos nas ações. Mesmo assim, a pasta da saúde reforça que investirá R$ 2 bilhões até 2014 – do R$ 1,5 bilhão aplicados até agora, R$ 1,4 bilhão saiu da pasta. Segundo o ministério, somados aos investimentos em assistência social e segurança pública, o programa atingirá a marca de R$ 4 bilhões no ano que vem.
Internação
Em 2 anos, 4.071 vagas foram abertas em comunidades terapêuticas
Uma das metas que, segundo o Ministério da Justiça, tem avançado desde o lançamento do programa Crack, É Possível Vencer, em dezembro de 2011, é a ampliação do número de vagas para tratamento em comunidades terapêuticas. Até o mês passado, o ministério havia firmado contrato com 183 comunidades em todo o país, gerando a abertura de 4.071 vagas nesses locais – a intenção é que o número chegue a 10 mil no fim de 2014.
A parceria com as comunidades terapêuticas, no entanto, é visto com ressalvas por especialistas, que criticam a morosidade do governo em investir em serviços de tratamento na rede pública. “Internação em comunidade terapêutica não é tratamento, é reinserção social. Essas comunidades não têm equipe de saúde, não fazem desintoxicação ou diagnóstico. Quando esse indivíduo sair desse local, vai precisar de acompanhamento e tratamento para o resto da vida, já que [a dependência] é uma doença crônica”, afirma a psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Ana Cecília Marques.
Para a médica, desde o lançamento do programa, em 2011, não há avanços concretos em prevenção e tratamento, como a tão falada ampliação dos leitos especializados em hospitais gerais. “Estamos engatinhando ainda”, resume.

Dependência
Pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz a pedido da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) mostra que 80% dos usuários de crack manifestam desejo de buscar tratamento. Somente nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal estima-se que haja 370 mil usuários regulares de crack ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi). Entre esses, 50 mil são menores de 18 anos, o que demanda políticas públicas específicas para adolescentes.

28 milhões é o número de pessoas no Brasil que vivem com um dependente químico, conforme o Levantamento Nacional de Famílias de Dependentes Químicos, divulgado este mês pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo a pesquisa, o tempo médio para a busca de ajuda após o conhecimento do uso de álcool e/ou outras drogas é três anos. Entre os que usam cocaína e crack, o tempo é menor, dois anos.
Disponível em: http://www.cresspr.org.br/site/reportagem-levanta-debate-sobre-o-programa-crack-e-possivel-vencer-2/

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