terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Cracolândia, o retorno

Apesar de, infelizmente, ainda não ser possível avaliar no momento, com critérios rigorosos e científicos se o programa de reinserção social De Braços Abertos --oferecido pela Prefeitura de São Paulo aos usuários de drogas que estão em situação de rua na cracolândia-- vem produzindo resultados positivos ou negativos, a grosso modo parece que nada adiantou.

Ao contrário, as evidências jornalísticas mostram que o número de usuários aumentou na região da cracolândia --localizada na Luz, próxima à Sala São Paulo, no coração do centro da cidade. Além disso, os usuários de drogas se espalharam para outras áreas, como a avenida Paulista, o que já era de se esperar com a aplicação de qualquer medida isolada.

Isso significa que a dependência de drogas é uma doença que se desenvolve no cérebro, muito complexa, e que precisa de várias etapas de intervenção.

São elas: desintoxicação, diagnóstico aprofundado da gravidade e de suas consequências, estabilização, prevenção de recaída, manutenção e seguimento. Ao longo do processo, cada caso recebe também a reinserção social.

Vale a pena ressaltar que desde o início das ações na cracolândia há pelo menos cinco anos, as expectativas sempre foram as melhores, mas sempre muito ingênuas.

Hoje, com o conhecimento disponível sobre o tema, como é possível imaginar que os indivíduos que lá estão, comprometidos física, mental e socialmente, podem ser reabilitados da dependência de drogas?

Como é possível imaginar que recuperar aqueles indivíduos que enfrentam a dependência do crack, uma doença que se desenvolve no cérebro, com repercussões profundamente deteriorantes e com diferentes consequências, sem tratamento, apenas por meio de trabalho e de uma moradia? Ou apenas com visitas aos centros de apoio?

A questão vai muito além. Para intervir em uma questão tão complexa, que coloca o usuário entre a vida e a morte a todo momento, pelos mais diversos motivos, que atinge a família e a toda a sociedade, é preciso adotar uma política de drogas humana, ecológica e ajustada a cada realidade.

É verdade que esse fenômeno ainda carece de estudos, ele não é de todo conhecido, mas os princípios para a elaboração de uma política baseada em boas práticas vem sendo discutidos no mundo.

A discussão mais importante hoje em dia é como entender de uma vez por todas qual o impacto das drogas e que esse impacto não será controlado por medidas simples e desconectadas.

É preciso uma política robusta, específica para cada droga e para cada contexto, e para o crack um capítulo especial àqueles que estão em situação de rua.

Política essa que significa um conjunto de medidas aplicadas ao mesmo tempo e na mesma direção.

A reinserção social é preciso, mas o tratamento e o controle da oferta de drogas são imprescindíveis.

Quando será que o governo irá assumir o seu papel de gestor e promover a coalizão das ações, implementando um método mais efetivo para o problema?

E quando será também que a sociedade brasileira vai entender que tem direito --humano-- às melhores práticas disponíveis e que deve lutar junto com o governo por um desfecho positivo para o problema das drogas?


Ou será que, contemplativa e depressivamente, assistiremos mais uma vez ao "retorno da cracolância"? Não. Existe esperança, existe ciência, e agora é a vez da política.

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