terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Tratamento contra vício de crack ainda desafia a medicina

Resultados positivos entre dependentes da droga são verificados, em média, em só um terço dos pacientes. / Profissionais de saúde questionam o que pode ser considerado eficaz quando o assunto é a recuperação do usuário.
Cláudia Collucci (Folha de São Paulo)

Não existe um tratamento único e ideal para o crack. Medicamentos e terapias carecem de mais evidências científicas, e o resultado final é pouco animador: só um terço dos doentes "se cura".
O vácuo terapêutico é apenas mais um ponto nebuloso quando se fala da dependência química. O próprio conceito de um tratamento eficaz ainda é motivo de debates.
"O que é eficácia? Tenho dependente que já passou por tratamento e que continua usando drogas eventualmente. Mas tem vida familiar, profissional, social. Um outro alcançou a abstinência, mas não trabalha, não sai de casa. Qual teve mais sucesso?", questiona André Malbergier, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Desde 3 de janeiro, quando começou a mais recente operação policial na região conhecida como cracolândia, no centro paulistano, 80 dependentes foram internados.
Segundo a prefeitura, de julho de 2009, quando, conjuntamente a outra operação da PM, agentes de saúde passaram a atuar na área, até o início da atual operação foram quase 3.000 internações.
Os resultados em São Paulo se assemelham aos registrados em outros locais do mundo: a porcentagem de viciados que conclui o tratamento não chega a 35%.
RECAÍDAS
Há consenso de que recaídas integram o processo. Após um ano de tratamento, 60% dos pacientes têm recaída.
"A meta é abstinência, mas recaídas não significam voltar tudo para trás. É como tratar diabético ou hipertenso", diz a psiquiatra Ana Cecilia Roselli Marques, da Abead (Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas).
É o que também pensa o professor Richard Mattick, referência mundial em estudos de álcool e drogas. "As pessoas querem uma cura, mas nós não vamos conseguir isso para a grande maioria. Temos métodos para manejá-la, como outras doenças crônicas."
Cura, aliás, é palavra em desuso entre especialistas. "Preferimos falar em abstinência estável", diz o psiquiatra Marcelo Ribeiro, professor na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos organizadores do livro "O tratamento do usuário do crack". Segundo ele, o processo de desintoxicação é só o começo de um tratamento longo que estará fadado ao fracasso se não houver suporte psicossocial associado. "E estamos falando de pessoas que, em geral, já romperam todos os laços sociais", afirma.
DIRETRIZ
No ano passado, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria lançou uma diretriz que define como os médicos devem tratar os usuários de crack.
Entre as orientações, há a indicação de tratamento de desintoxicação imediato e de múltiplas ações terapêuticas.
As recomendações gerais são baseadas em experiências nacionais e internacionais, mas poucos serviços públicos de saúde as aplicam.
São Paulo chegou a adotar as diretrizes em um projeto-piloto desenvolvido na cracolândia, mas depois recuou.
Ana Cecilia Marques, que fez parte do projeto, lamenta. "Tínhamos dobrado a taxa de adesão ao tratamento. Tudo voltou à estaca zero. Os tratamentos atuais não seguem as boas práticas."
Rosangela Elias, coordenadora de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde, nega que tenha havido prejuízo. "Há várias metodologias. Não há certo ou errado. Temos equipes qualificadas."
Outro ponto de divergência é sobre as internações involuntárias (sem o consentimento do paciente). Há grupos contrários à iniciativa, mas os que defendem esse recurso encontram respaldo.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) considera a opção em casos de risco à vida do dependente químico. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, também já se posicionou favorável à medida.

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