sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Grávidas do crack

Operação expõe o drama de dezenas de mulheres que consomem a droga com seus filhos na barriga; medicina ainda não mapeou as sequelas nas crianças.

CLÁUDIA COLLUCCI, ROGÉRIO PAGNAN

Fotos Fabio Braga/Folhapress


Lilian pode dar à luz a qualquer momento. 
Faz um mês que Lucas deixou de usar sedativos. Ao nascer, o franzino bebê, agora com quatro meses, era agitado, chorava muito, sofria tremores e taquicardia, sintomas da abstinência.


Lucas é filho de uma usuária de crack e "consumiu" a droga durante os sete meses de vida uterina. Nasceu prematuro, com apenas 1,8 kg.

Também apresenta atraso no desenvolvimento e deficiência motora, o que dificulta a amamentação. Os médicos não sabem se as sequelas de Lucas serão permanentes.

O impacto do crack na gestação tem sido objeto de vários estudos nas últimas três décadas, mas ainda há controvérsia sobre os efeitos a longo prazo na criança.

A questão é: como separar as sequelas da droga de outros fatores também presentes na vida da gestante dependente, como alcoolismo, tabagismo e desnutrição?

"Não há dúvida de que pode haver efeitos devastadores. Mas não podemos definir o quanto é do crack, isoladamente, e o quanto está relacionado a maus hábitos que a gestante desenvolveu por conta da dependência", diz a médica Silvia Regina Piza Jorge, chefe da clínica de pré-natal da Santa Casa de São Paulo.


A operação policial iniciada em 3 de janeiro jogou luz sobre as dezenas de grávidas dependentes que perambulam pelo centro paulistano atrás da droga -são pelo 20, segundo a PM e a prefeitura, só na área da cracolândia.

Os bebês dessas mulheres tendem a nascer prematuros e com atraso de desenvolvimento. Também têm mais chances de apresentar sequelas neurológicas, retardo mental, deficit de aprendizagem e hiperatividade.


A preocupação dos especialistas é que os bebês não fiquem estigmatizados. "Não se deve criar uma expectativa negativa sobre o futuro desses bebês. Um ambiente afetuoso, estimulante e acolhedor é essencial para desenvolver o potencial de qualquer criança", diz o psiquiatra infantil Ronaldo Rosa.

ABORTO
Grávidas usuárias de crack sofrem mais riscos de aborto, hemorragias e de descolamento de placenta. A situação é agravada porque a maioria delas não faz o pré-natal.

"São pacientes em uma grave situação de vulnerabilidade social, com rompimento de laços com a família e com a comunidade", diz Corintio Mariani Neto, diretor da maternidade estadual Leonor Mendes de Barros.
"É uma aberração. A gente não vê essa situação em outros países do mundo", afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, referindo-se às grávidas da cracolândia.

Estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) com dez grávidas que vivem na cracolândia, obtido com exclusividade pela Folha, mostra que apenas duas estão fazendo o pré-natal.
Todas elas engravidaram na região central de São Paulo. No mês passado, quando foram feitas as entrevistas da Unifesp, sete estavam entre o quarto e o sexto mês de gestação. Apenas uma concluiu o ensino fundamental.

Cinco das gestantes sabem quem é o pai do filho: parceiros do crack. Oito já tinham filhos e três haviam sofrido abortos anteriores. Seis grávidas fumavam até dez pedras por dia. As demais chegavam a consumir 20 pedras.
Metade das gestantes financia o consumo de crack pedindo esmola e ou trocando sexo pela droga.


Segundo o psiquiatra Marcelo Ribeiro, coordenador do estudo, metade das grávidas aceitaria tratamento para dependência química, mas grande parte (sete) acha que consegue parar sem a necessidade de internação.
Se a cracolândia acabasse, para onde você iria?, perguntaram os pesquisadores. Todas responderam: para outra cracolândia ou para qualquer outro lugar que tenha crack.

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