Uma das principais revelações da pesquisa realizada pela Fiocruz nas capitais brasileiras é o desejo dos usuários de erradicar a dependência química. Cerca de 80% dos entrevistados afirmaram querer passar por algum tipo de tratamento para eliminar o vício. Diferente do pensamento enunciado pelo senso comum, o crack não é mais um “caminho sem volta”. De acordo com Pedro Daniel Katz, médico psiquiatra do Hospital Samaritano de São Paulo, é possível, sim, encontrar uma “luz no fim do túnel”.
“Se considerarmos que hoje há um consenso de que na abordagem ao paciente
portador de dependência química, ao invés de confrontação por perdas já
sofridas, devemos trabalhar por diagnóstico multifatorial e tratamentos que
considerem motivação para mudança e reforço positivo, reinserção comunitária”,
aponta Pedro.
Esse tipo de tratamento, apoiado em abordagem interdisciplinar, está
sendo vivenciado nos últimos três meses por Fred (nome fictício). Ele está na
sexta internação e garante que, dessa vez, o tratamento vai ser feito por
completo. “Estou trabalhando todos os meus sentimentos. Pensei que não
precisasse de ajuda, mas, hoje sei que eu preciso, preciso mesmo”. A porta de
entrada para o vício foi o álcool, aos 25 anos, depois vieram nicotina, cocaína
e, por fim, o crack. “Era uma brincadeira de usar apenas nos fins de semana. Só
o sábado. Depois só o domingo. E depois todos os dias. Quando você menos
percebe, tem a compulsividade tomando conta de você”.
As outras cinco internações foram propostas pela família, que nunca
abandonou Fred. “O crack é muito rápido. São cinco segundos de euforia e depois
vem a depressão, automaticamente. Você vai e volta rapidamente. Eu morava em
uma área nobre de Fortaleza. O crack vai do playboy ao mendigo. Não tem mais
distinção. Tem gente que usa e as famílias não sabem. Quando vão tomar
conhecimento já está em um estágio pesado”.
Tratamentos
Entre os entrevistados
pela pesquisa, poucos já haviam passado por algum tipo de internação. O serviço
mais acessado era o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD),
mas somente 6,3% dos respondentes disseram ter recebido atendimento nas
unidades. Para Ana Cecília Marques, presidente de Associação Brasileira de
Estudos de Álcool e Drogas (Abead), o tratamento da dependência química deve
estar baseado em estratégias científicas e com eficácia já testada. “Não adianta ficar inventando.
Nós podemos recuperar as pessoas, mas temos que aplicar estratégias que
funcionam”.
O tratamento padrão começa com a desintoxicação. Quando as substâncias
são eliminadas do corpo e é feito diagnóstico. Inclusive, investigando a
presença de outras doenças. Depois, vem a fase de treinamento do indivíduo para
que ele aprenda os fatores de risco e estratégias de proteção. Finalmente, ele
vai para a fase de inserção social, pois o paciente já deve estar preparado
para enfrentar a dependência química no cotidiano, explica Ana Cecília Marques.
A médica lembra a necessidade das famílias acompanharem os pacientes. “O
tratamento deve ser vistoriado pelos familiares desde o primeiro dia. Por
último, o indivíduo vai fazer acompanhamento anual. A dependência é uma doença
crônica incurável, que faz o paciente frequentar o tratamento pelo resto da
vida”. (Isabel Costa)
Números
·
55% consomem o crack diariamente (uns dias mais, uns dias
menos)
·
9,2% dos entrevistados disseram ter feito uso anterior de
drogas injetáveis
·
70% compartilham apetrechos utilizados para o consumo da
droga
·
7,8% disseram ter sofrido episódio de intoxicação aguda
nos 30 dias anteriores à pesquisa
Em 2011, a Fiocruz já havia divulgado levantamento preliminar sobre as cenas de uso do crack nas capitais. Na época, segundo matéria do O POVO, foram identificados 300 pontos de uso na capital e região metropolitana.
A pesquisa mostrou que em algumas cenas de uso das capitais brasileiras
podem circular até 3.200 pedras por dia, ou mesmo, 3.200 pedras por turno,
considerando que a circulação de usuários se renove por turno. Os pontos de
maior porte chegam a ter 200 usuários habituais.
Mais de 70% dos usuários disseram compartilhar os apetrechos utilizados
para o uso (cachimbo, lata, copo), o que pode estar associado à transmissão de
infecções, especialmente as hepatites virais.
Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/cienciaesaude/2013/10/12/noticiasjornalcienciaesaude,3144348/o-crack-nao-e-caminho-sem-volta.shtml
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