segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Uso da maconha começa cada vez mais cedo no Brasil


Em 2012, 62% dos usuários experimentaram a droga antes dos 18 anos; em 2006, o índice era de 40%.

SÃO PAULO, Brasil – Ele deu o primeiro trago em 2001, quando tinha 16 anos.
Desde então, por seis anos, o comunicador Vinícius Werner, 27, fumou maconha todos os dias. Em todo o Brasil, 1,5 milhão de adolescentes e adultos também usam o entorpecente diariamente.

Como Werner, 62% dos usuários brasileiros tiveram contato com maconha antes de completar 18 anos, de acordo com o segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

E a tendência é de alta. Em 2006, quando foi realizado o primeiro estudo, o índice era de 40%, segundo a Unifesp.

“Quanto mais cedo ocorre o consumo da droga, maior é a chance do desenvolvimento de dependência”, explica a psiquiatra Clarice Sandi Madruga, coordenadora do levantamento.

Realizado em 149 municípios, o estudo ouviu 4.607 pessoas a partir dos 14 anos que responderam a um questionário sigiloso com mais de 800 perguntas sobre o uso de álcool e drogas.

Cerca de 8 milhões de brasileiros – 7% da população adulta – já experimentaram maconha ao menos uma vez na vida. Desse total, 3,4 milhões de pessoas (3%) utilizaram o narcótico no último ano.

Entre os menores de idade, mais de 600.000 já tiveram algum contato com o entorpecente ao longo da vida – 470.000 deles nos últimos 12 meses.

Tanto adultos quanto adolescentes têm acesso à droga comprando de alguém (60% dos casos) ou ganhando de algum amigo (35%). A diferença é que, enquanto os adultos conseguem maconha em locais públicos e pontos de venda, os menores de idade têm outro ponto de distribuição: a escola.

Efeitos da dependência

O Brasil não está entre os três maiores consumidores de maconha do mundo, segundo o levantamento da Unifesp. O percentual de indivíduos que utilizaram a droga no último ano chega a 14% no Canadá, 13% na Nova Zelândia, 10% nos Estados Unidos e no Reino Unido e 7% no Chile, na Argentina e no Brasil.

Mas a taxa de dependência entre os brasileiros se equipara à de outros países: 37% dos adultos que usam maconha são viciados – cerca de 1,3 milhão de pessoas, segundo o estudo da Unifesp.

Entre os fatores que indicam vício, estão a ansiedade pela falta da droga e a sensação de falta de controle.

A toxicomania é menor entre os adolescentes (menos de 10% entre usuários), mas é extremamente nociva à saúde desse grupo, já que a substância causa alterações irreversíveis no cérebro ainda em desenvolvimento, explica Clarice.

“O cérebro só termina de amadurecer perto dos 25 anos, por isso o uso de maconha antes disso aumenta as chances de desenvolvimento de outras doenças psiquiátricas, como depressão e transtornos de ansiedade”, completa Clarice.

O consumo precoce da maconha age sobre o sistema nervoso central diminuindo a atenção, a concentração, a memória e a capacidade de resolver conflitos, segundo a psiquiatra e neurocientista Ana Cecilia Marques, coordenadora do Departamento de Dependência em Álcool e Drogas da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

“Estudos apontam que a taxa de dependência entre jovens que consomem álcool aos 16 anos varia de 6% a 8%. Se começaram aos 12 anos, o índice sobe para 10% a 12%”, aponta Ana Cecilia, ao lembrar que não há um estudo mais aprofundado sobre o uso precoce da maconha. “Esse percentual também é esperado para outras drogas, pois elas afetam o sistema límbico, que é o mesmo prejudicado pelo álcool.”

Como consequência do consumo precoce de entorpecentes, o usuário pode ter dificuldades para estudar, trabalhar e se relacionar com outras pessoas. Esses danos podem levar a depressão, ansiedade, além do desenvolvimento de esquizofrenia e outras neuroses, de acordo com Ana Cecilia.

Flexibilização

No Brasil, qualquer tipo de acesso à maconha é proibido: desde o uso medicinal até o cultivo para consumo próprio e a compra e venda da droga.

Nos últimos anos, porém, o debate sobre a possibilidade de descriminalizar ou legalizar a droga ganhou força. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso é uma das personalidades que tem se manifestado a favor da mudança na legislação.

Em 2012, mais de 200 cidades sediaram a Marcha da Maconha, uma passeata realizada por defensores da regulamentação da erva.

“Estamos falando do fato de a proibição trazer muitíssimos problemas e não controlar o consumo de forma alguma, nem entre os adolescentes”, defende Alexandre de Castro, um dos organizadores da Marcha da Maconha em Belo Horizonte (MG).

Ainda assim, apenas 11% das pessoas entrevistadas no levantamento da Unifesp são favoráveis à legalização da maconha, enquanto 75% são contra.

“É muito difícil predizer como seria essa flexibilização num país como o Brasil, pois é complicado usar países pequenos como base para esta decisão", comenta Clarice. "Além do mais, é importante lembrar que o projeto de lei que está em votação é para todas as substâncias psicotrópicas e não só a maconha.”

A psquiatra lembra ainda que o aumento da disponibilidade de qualquer droga eleva seu consumo e que menos de 20% dos viciados procuram tratamento médico.
“Independente da discussão da lei, é inquestionável a necessidade de mais centros de atenção primária, principalmente de CAPS-AD (Centros de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas)”, defende Clarice.

Para Ana Cecilia, antes de discutir legalização de outras drogas, o governo deve garantir que menores não tenham acesso a entorpecentes hoje considerados legais.

“Eu só acredito em uma coisa: uma política que proteja a criança e o adolescente de drogas inclusive legais, como o álcool e o tabaco, que também são proibidas para menores de 18 anos”, afirma Ana Cecilia.

Disponível em: http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/main/2012/11/07/feature-02

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